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livros ficção
Uma
viagem sem
regresso
DE VISITA À ANTIGA ILHA DE PENTECOSTES,
NA OCEÂNIA, LE CLÉZIO REFLECTE
SOBRE A INVISIBILIDADE HISTÓRICA
DOS POVOS DA MELANÉSIA
Texto de José Mário Silva
NO DISCURSO de aceitação do J.M.G.LECLÉZIO
Prémio Nobel de Literatura, proferido em recebeu o Prémio
Estocolmo a 7 de Dezembro de 2008, Nobel da Literatura
J.M.G. Le Clézio recorreu, quando quis em 2008
reflectir sobre o lugar do escritor no
mundo actual, a um paradoxo de Stig
S
ANDBERG/AP
Dagerman: “Aquele que deseja escrever
para os que têm fome, e apenas para FREDRIK
estes, logo descobre que só os que
enchem a barriga se apercebem da sua esgotados do novo Nobel (ver recensões a como as mulheres melanésias entrelaçam
existência.” Levar a palavra aos três deles na página seguinte). as folhas secas de pandano nas suas
excluídos, aos que muitas vezes nem Se África é o continente esquecido, esteiras (objectos que hoje são tanto um
sequer sabem ler, continua a ser uma começa por dizer Le Clézio, a Oceânia é o símbolo de identidade cultural como
tarefa particularmente difícil. “Porquê?”, “continente invisível”, porque “os moeda de troca). Uma das linhas
perguntou-se o autor franco-maurício, viajantes que pela primeira vez aí se narrativas ficciona a “viagem sem
diante do rei da Suécia. E lembrou: “Os aventuraram não se aperceberam dela e regresso” dos primeiros povoadores,
povos sem escrita, como os antropólogos porque hoje continua a ser um lugar sem enquanto atravessam o mar de piroga e
gostam de os nomear, conseguiram reconhecimento internacional, uma se orientam pelas estrelas. Outras
inventar uma comunicação total, através passagem, de certa forma uma ausência”. consistem na descoberta física da ilha
de cantos e de mitos. Por que razão isso Foi neste não-lugar, nesta imensidão (um assombro vegetal), na enumeração
já não acontece na nossa sociedade oceânica semeada de ilhas, ilhotas e atóis, dos respectivos mitos (recorrendo a quase
industrializada? Será preciso reinventar a que se deu “a mais temerária odisseia duas dezenas de fontes etnográficas) e na
cultura? Será preciso regressar a uma marítima de todos os tempos”. Isto é, o evocação dos aspectos mais negros da sua
comunicação imediata, directa?” povoamento ancestral dos arquipélagos história (sobretudo os raptos dos
Estas são questões que atravessam o do Pacífico Sul, para Le Clézio menos blackbirders, que enchiam os porões de
conjunto da obra de Le Clézio, desde os fruto do acaso de ventos e correntes homens condenados à escravatura nas
primeiros livros — sobre a dificuldade de (como quis provar Heyerdhal) do que das plantações de algodão de Queensland ou
viver nas grandes cidades — às sucessivas navegações de quem sentia a urgência de nas minas da Nova Caledónia).
abordagens a povos que escapam aos
paradigmas da civilização ocidental: os JJJJJ
descobrir um mundo novo para habitar. Por fim, a fechar este hino à resistência
Esse mundo ganha forma em Raga, dos povos que não se deixam engolir pela
índios do Panamá, a herança maia no nome nativo da antiga ilha de globalização, Le Clézio, fiel a si mesmo,
México, os nómadas do Norte de África. RAGA Pentecostes, nas Novas Hébridas não deixa de fustigar o Ocidente, que
Ou os ilhéus da Melanésia, a quem Le J.M.G.LeClézio (Vanuatu desde a independência, em “ferrou os dentes nos arquipélagos”, mais
Clézio dedica este “Raga”, relato publicado Sextante, 2008, trad. 1980), quase dois mil quilómetros a leste o seu cortejo de colonos, turistas e
agora, numa magnífica tradução, pela de Manuela Torres, da Austrália. É sobre esta “muralha de missionários “vindos para extirpar os
Sextante — ao mesmo tempo que outras 128 págs., ¤14 lava” que o livro nos faz planar, demónios e vestir a nudez dos
editoras apostam em títulos há muito entrelaçando várias linhas narrativas, habitantes”.
32 31 Janeiro 2009 Expresso
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