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A MÚSICA FOI O CAMINHO
QUE ENCONTROU PARA EXPRESSAR
A SUA MANEIRA DE SER. MAS CANTAR
NÃO É UMA FORMA DE VIDA.
É PARTILHAR SENTIMENTOS
Texto de Alexandra Carita
Fotografia de José Ventura
Romi
Diz que sente. É sempre o que sente que a tual, de um misticismo intenso, a acompa-
Anauel
move. E sentir, para ela, é procurar a ver- nha em palco. Mais do que consciência dis-
dade. A sua chama-se raiz. Uma raiz que so, sabe que o faz deliberadamente, que tra-
se traduz por alma, se confunde com san- balha para transportar energias e distri-
gue e corpo e que carrega a vida de muitas bui-las pelo público. Cantar não é entreteni-
vidas. O guia para este modus operandi éo mento. Seria uma prisão se o fosse. Não
A EXPRESSÃO é serena. Calma. A instinto. As escolhas que faz são-lhe revela- pode, não quer, não consegue gastar o tem-
voz é doce. O olhar terno e intenso. O exo- das pelo coração, apesar de a razão o ser- po a trabalhar para ela. Não pode, não
tismo mistura-se com uma sensualidade na- vir. Porque é preciso perceber o que ele quer, não consegue guardar a sua força pa-
tural que lhe percorre o corpo e se prende quer e porque o quer. ra si. Descobriu-o cedo e concretizou-o a
nas mãos e no rosto. Tem 35 anos e não Até escolher cantar ponderou muito. partir do momento em que assumiu que
tem pressa. A vida corre, correu, correrá. Era-lhe natural. Sabia fazê-lo sem esforço, não poderia continuar a ser uma espécie
A ansiedade só a assalta porque a inquieta não aprendeu com ninguém. Referências, de sem-terra. Aproximou-se de África atra-
estar parada. Não comunicar. Não parti- tinha poucas. A música que ouvia era a mú-
mística
vés da mente. Experimentou o Reiki e che-
lhar. É isso que faz há dez anos como voca- sica que a mãe ouvia. Música africana, mú- gou a ser mestre. Não lhe bastou. A cura
lista dos Terrakota. E é o que a faz saltar sica popular portuguesa, fado. Cantava em quântica é a sua nova paixão. Atraves-
para uma carreira a solo, iniciada timida- todo o lado. Sonhava com o palco enquan- sa-lhe o corpo e repousa-lhe nos olhos. Sa-
mente no ano passado, mas com entrada to dormia. Criava espectáculos de todos os be que é um ‘grãozinho’ no mundo, mas
em estúdio marcada para o mês que vem. géneros. A timidez e a insegurança manti- acredita que cada grãozinho é tão impor-
Chegou a Portugal aos 2 anos de idade. A nham-na na sombra. Enquanto tomava a tante quanto o outro. A emoção aperta-lhe
mãe, descendente dos Masai, fugiu da co- conta de crianças para sobreviver, em Lis- os músculos quando recorda o concerto,
munidade aos 14 anos para não ser circun- boa, experimentou a dança, o teatro, teve em 2004, na Praça do Comércio, em Lis-
cidada. Nunca mais pôde voltar. O pai, por- depois aulas de canto pontuais. Juntou-se a boa. Não chovia há meses. Subiu para o pal-
tuguês, deu-lhe uma nova vida. Mas não três amigas e arrancou com um primeiro
Acredito
co crente de que o seu público podia aju-
conseguiu impedi-la de abandonar África. projecto. A questão continuava lá: “O que é dá-la. A energia estava lá. No dia seguinte
A guerra em Angola atormentava-a. Os ri- que eu quero neste mundo?” A frustração
porque
choveu. Não lhe interessa se alguém se lem-
tuais tribais que lhe mataram um meio-ir- era a companhia que encontrava sempre
sinto. Mas
bra. Não quer provar nada a ninguém. O
mão também. Morada fixa em Portugal, que chegava a casa. Não conseguia mos- que tem para dar agora é ela própria, num
porém, não tiveram. A família deambulou trar tudo o que tinha para mostrar. Foi o tenho de projecto a solo que ainda não tem nome.
entre Idanha-a-Nova, Figueira da Foz, Tor- teatro que a ajudou a resolver a dúvida exis-
res Novas... Só com 18 anos, Romi Anauel tencial. Os Terrakota também foram cúm-
perceber
Vai soar a jazz, vai soar a trip-hop, vai ter
uma batida electrónica mais elaborada do
rumou a Lisboa. Ficou pela capital. Mas a plices. O canto aliado à performance seria
o que estou
que o afro-beat que caracteriza os Terrako-
sensação de não ser daqui nunca a abando- a sua forma de partilhar energia com os ta. A mensagem é para todos: respirar, mu-
nou. Diz que é por isso que muda frequen- outros, o modo de exprimir o seu olhar so-
a sentir
dar, viver. A simplicidade mede-se através
temente de casa. Não sabe explicar por- bre o mundo, a panaceia para a sua inquie- da capacidade de continuar. “Se não esti-
quê. Sabe que se há povo com que se identi- tação, a única maneira de preencher a abso- vesse a cantar, estaria a dançar ou a escul-
fica é com o cigano. A relação com as suas luta necessidade de ajudar quem precisa. pir. E se me sinto triste, não quero esculpir
raízes parece óbvia. Não diz sim, nem não. Tem consciência que o seu lado espiri- essa tristeza, quero transformá-la.”
Expresso 31 Janeiro 2009 19