PLUMA CAPRICHOSA
Portugal contra Portugal: zero a zero
Num mercado envelhecido e protegido, as ligações ao establishment político conferem vantagens
eiam este texto: “Mais do que qualquer ou- nário de pontos de pressão através dos quais o governo
L
tro país na Europa, Portugal tem uma elite pode controlar, adiar, matar ou fazer avançar um projec-
envelhecida e dominada por homens que to. Cada um deles é uma oportunidade para um burocra-
sufoca a iniciativa e a mudança de modo a ta ou político exercer o seu poder e apadrinhamento, pa-
perpetuar o seu poder. Portugal tem dos ra garantir ou pedir favores. Uma auto-estrada que custa
níveis mais baixos de participação das mu- duas vezes mais tem vantagens decisivas, não apenas pa-
lheres na política e em posições superiores ra os políticos meterem luvas ao bolso mas para todos os
no mercado de trabalho. Quando políticos estabelecidos que intervêm no processo. Não corre assim tão bem para
perdem uma eleição são reciclados em posições adminis- o resto do país, que tem de lidar com as infra-estruturas
trativas em empresas privadas e públicas, ou nas autar- de segunda ordem, desde portos mal administrados a au-
quias, ou na administração do Estado, ou no Parlamento to-estradas, caminhos-de-ferro, telemóveis e electricida-
Europeu. O resultado é uma deprimente falta de renova- de mais caros — a adicionar aos impostos elevados, maus
ção nas instituições públicas. Isto não se aplica apenas à serviços públicos e um sistema de promoções que se tor-
política. As universidades, por exemplo, que deviam ser nou o contrário da meritocracia. Não espanta que Portu-
uma parte essencial da economia da informação, funcio- gal esteja onde está no Índice Global de Competitividade.
nando como centros de inovação, investigação e merito- Não se trata apenas de um problema de corrupção institu-
cracia, são um bastião de privilégio e apadrinhamento em cionalizada. O problema é mais fundo. (...) Em cada gru-
CLARA
FERREIRA
que as decisões de contratação não são abertas e justas e po da sociedade existe uma tendência para formar uma
ALVES
são, por rotina, dependentes ‘ordem’ ou corporação onde
de uma teia de amigos, rela- a lealdade de grupo derrota
ções ou marionetas dos ‘ba- qualquer sentido do bem co-
rões’. Neste sistema, os estu- mum. (...) Veja-se a situação
dantes mais brilhantes e am- da Educação. (...) Os grupos
biciosos, que ganham bolsas resistem a deixar que outra
para universidades america- corporação, nomeadamente
nas ou inglesas, são muitas a magistratura, penetre ou
vezes tratados como se os interfira com a sua estraté-
anos que passaram fora esti- gia de grupo. Atravessando
vessem perdidos, a não ser o espectro ideológico, estão
que regressem a Portugal pa- grupos de pressão de todas
ra engrossar a fila de pedi- as espécies que conspiram
dos e concorrer ao favor dos para tornar a acção impossí-
barões. O resultado é a fuga vel. (...) E o declínio econó-
de cérebros. (...) Cada vez mico de Portugal é já visível.
mais se nota que em Portugal as burocracias egoístas (...) Num mercado envelhecido e protegido, as ligações
mantêm o seu poder através de uma selva de regras ultra- ao establishment político conferem vantagens decisivas.”
complicadas e regulamentos que tornam as coisas imensa- Parece uma descrição de Portugal, mas não é. É da
mente difíceis de resolver, consumidoras de tempo e dis- Itália. O texto de Alexander Stille saiu na “New York Re-
pendiosas. Abrir um negócio custa mais dinheiro para ob- view of Books” de 4 de Dezembro de 2008, na recensão a
ter as necessárias autorizações e envolve mais de dois me- três livros sobe o “problema italiano”. Um chama-se “De-
ses de saltos sobre duas dezenas de obstáculos burocráti- riva — Porque a Itália Arrisca o Naufrágio”, outro cha-
cos. Na Grã-Bretanha custa 381 euros, quatro dias e cinco ma-se “O Medo e a Esperança”, o terceiro chama-se “Se
procedimentos, e nos Estados Unidos custa 167 euros, os Conheces, Evita-os”, em tradução literal. Bastou subs-
quatro dias e quatro procedimentos. tituir a palavra Itália por Portugal e o texto aplica-se ipsis
Completar uma grande empreitada pública em Portu- verbis ao nosso modelo de desenvolvimento e governa-
gal consome uma média de 2137 dias, um pouco menos ção. E ao nosso declínio. O texto tem como título “Itália
de seis anos. Espanha levou apenas três anos para alar- contra ela própria”. Podia chamar-se Portugal contra
gar a rede de metro de Madrid em 56 quilómetros com a Portugal. Zero a zero no marcador. n
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construção de oito estações de transfer e 28 estações nor-
mais. Construir comboios de alta velocidade custa mais
UITÉRIO/
Q
do que em França ou Espanha, e os comboios que exis-
tem são lentos. (...) Um sistema tão moroso e pesado co-
CARLOS
mo este parece loucura, mas existe método na loucura. A
multiplicação de procedimentos, autorizações, regras e
engarrafamentos burocráticos cria um número extraordi- ILUSTRAÇÃO
80 REVISTA ÚNICA·31/01/2009