DESAFIAR O MEDO
MIRANDA
dial e tem trabalho publicado em revistas co-
TIAGO
mo a “National Geographic”.
“Ou ficamos ou fugimos. Estas são as duas
opções que se nos colocam perante o medo”,
afirma Pinhol, acrescentando que, “por defi-
nição, o mergulho tem de ser supramedo. A
partir do momento em que se entra num pro-
cesso de medo limita-se as opções e isso é o
pior. É preciso fazer a gestão do medo e ter
planos de contingência. Principalmente se se
está a 60 metros de profundidade”.
Uma das situações potencialmente fatais
que viveu foi num mergulho, sozinho, num
recife em Moçambique, quando foi atacado
por um tubarão do Zambeze, um dos mais
perigosos do mundo. “O tubarão deveria ter
uns 2,5 metros mas como estava a fotogra-
fá-lo com uma grande angular, que diminuiu
as coisas, parecia-me muito mais pequeno.
Estava a dirigir-se a mim e eu, em vez de
fugir, o que agravaria o comportamento de
predação, aproximei-me e disparei os fla-
shes. O bicho teve medo e desapareceu.”
O mergulhador confessa que o seu compor-
tamento bizarro teve que ver com o facto de
“ter projectado a situação na máquina viven-
do-a através do visor”. Só a posteriori perce-
beu o perigo por que tinha passado. “Naquele
lugar os bichos comem mesmo as pessoas, de
tal modo que é aconselhado que numa subida
de emergência à superfície não se façam se-
VICTOR HUGO CARDINALI
quer as paragens de desgaseificação.”
DESCENDE DE DOMADO- Noutra ocasião, porém, a percepção do pe-
RES DE CAVALOS, MAS
rigo foi imediata. Mergulhava no Mar Verme-
AS FERAS, EM ESPECIAL
OS LEÕES, SEMPRE O
lho com a mulher, Erika, a 32 metros de pro-
FASCINARAM. A EVEN-
fundidade, numa zona complicada devido às
TUAL FUGA DE UM
ANIMAL DO CIRCO É UM
correntes, quando ela, para comunicar com
DOS SEUS MEDOS golfinhos, tirou o regulador da boca. “Achei
inadmissível a mãe dos meus filhos fazer aqui-
lo… E nessa altura, sim, senti algum medo.”
Feita a gestão do medo, assegurados to-
dos os cuidados e precauções, haverá, ainda
“Só depois de se desenvolver a capacidade a perna do tecido.” Se o tivesse feito, teria assim, um preço a pagar por quem decide
de superar e dominar o medo podemos pas- sido impossível evitar o embate no chão tal arriscar conhecer os seus limites?
sar à fase seguinte, que é o trabalho sobre o a velocidade atingida durante o desenrolar Garcia e Pinhol são peremptórios na rejei-
controlo e a atenção.” O que não depende do tecido. “Não se pode entrar em pânico”, ção de qualquer “preço a pagar” pelos des-
só da trapezista, mas também do rigor dos sentencia a artista brasileira. portos que praticam. E avançam com o mes-
parceiros e dos técnicos. O maior perigo Esta ideia é também defendida pelo mer- mo exemplo: se conduzir um automóvel é po-
que experimentou no ar foi num ensaio e gulhador e fotógrafo subaquático Vasco Pi- tencialmente fatal (e implica mais variáveis
teve a ver, precisamente, com uma falha nhol: “O medo, cuja fase seguinte é o pânico, como todos os outros condutores), significa
técnica — no número do tecido este está é exactamente o que deve ser evitado debai- isso que, no caso de um acidente nas férias,
preso a uma máquina controlada por um xo de água.” Um lugar que, sublinha, não é o esse foi o preço a pagar pelos dias de lazer?!
computador; quando foi utilizado um pro- meio natural do homem, mas que, apesar dis- Como diz o filósofo espanhol José Anto-
grama informático novo, o tecido desceu an- so compara a um ambiente “quase amnióti- nio Marina, no seu livro “O Medo — Tratado
tes do previsto. “Não me apercebi e come- co”, onde sente “um conforto absoluto”. sobre a Valentia”, nas nossas vidas «o stress,
cei a preparar a minha queda: precisava de Homem dos sete ofícios (empresário, mú- a ansiedade, o medo são funcionalmente
estar a sete metros de altura do chão e, afi- sico, designer gráfico, etc.), é na conjugação úteis. Inclusivamente podem ser agradáveis.
nal, já estava mais baixo. Os colegas come- da água com a fotografia que Pinhol, 46 Daí o sucesso dos desportos radicais e dos
çaram a gritar: ‘Não desças!’ E eu, de repen- anos, encontra a maior compensação — já foi filmes de terror. Há um calafrio atraente”.
te, vi o chão perto de mim. Naquela fracção várias vezes campeão nacional de fotografia Como bem o sabem estes quatro portugue-
de segundo, parei o movimento e não soltei subaquática e uma vez vice-campeão mun- ses que vivem a vida sem limites. n
54 REVISTA ÚNICA·31/01/2009