Sul. As Galápagos serviram de refúgio a
flibusteiros, eremitas, desertores, assassi-
nos em fuga, exilados políticos. “Provavel-
mente, poucas partes da Terra recolhe-
ram, nos tempos modernos, tantos solitá-
rios”, escreve Melville.
Por duas vezes a ilha de San Cristobal
conheceu ditaduras locais, improvisadas,
extremamente cruéis e violentas: a
primeira dirigida por um militar
inglês, o coronel Williams, em
1837; e a segunda no início do
século, pelas mãos do industrial
Manuel Cobos. Na ilha de Florea-
na, nos anos trinta, estabelece-
00º 55' S; 89º 34' W ram-se vários libertinos alemães
DEIXOAORLA DO
POPULAR
em busca de uma utopia tropical. A
IMPÉRIOHUMANO,
EXEMPLAR DAS TARTARUGAS GIGANTES DAS GALÁPAGOS
ONDEASPESSOAS
experiência acabou de uma forma
ESTÃODEPASSAGEM
trágica, com o assassinato e o
EAS TARTARUGAS
SÃOPARASEMPRE
desaparecimento de alguns dos
seus membros. Um deles, Lorenz
foi encontrado morto de sede, seco,
mumificado, na ilha de Marchena.
“Ninguém é originário daqui”,
recorda-me Christian Castillo, do
Parque Nacional das Galápagos,
“todos viemos de algum outro
lado”. Christian quer dizer com
isto que não havia nativos nas
ilhas, que durante a maior parte
do século XX apenas mil habitan-
tes em regime intermitente ocupa-
vam o território e que a coloniza-
ção efectiva só aconteceu a partir
de 1970. Vivem no arquipélago
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Não há, pois, uma identidade
cultural, um elo à terra, uma raiz.
Ninguém pertence às Galápagos. Estra-
FACHADAS nhos numa terra estranha. Vieram para
NA MARGINAL DE BAQUERIZO MORENO
fugir à miséria e aos magros horizontes
que a metrópole oferece, acompanhando o
crescimento do turismo no arquipélago —
40 mil presenças em 1990, 140 mil em
2006 — que gera quase 500 milhões de
marítima ou terrestre, também uma sur- ção de estranhos, perturbantes eventos dólares (386 milhões de euros) de receitas
preendente reedição de “Galápagos: ligados a estas ilhas. para a nação equatoriana. Quando pude-
World’s End”, do famoso naturalista Wil- A capa do livro de Melville, uma beira-mar rem, regressarão.
liam Beebe que, nos anos 20, estudou o cinzenta, carregada, deserta, podia servir de Melville conta uma superstição que os
arquipélago e o lançou nas bocas do mundo. capa para a “Maldição da Tartaruga”. Ambos marinheiros guardavam sobre as Galápa-
podiam ser censurados pela “oficina de Turis- gos: “que todos os oficiais malvados, sobre-
Compro um livro do historiador Octavio mo” do Equador. Depois de lê-los, passa a tudo comodoros e capitães, quando mor-
Latorre sobre a história das Galápagos, ou vontade de visitar as Galápagos. rem (…) são transformados em tartarugas,
seja, a história humana. Tem um título Que andámos nós, os humanos, a fazer permanecendo para sempre nesta escaldan-
curioso: “A Maldição da Tartaruga”. E um ali nos últimos quatro séculos? Os dois te aridez”. E acrescenta, ao recordar esse
subtítulo: ‘História Trágica das Ilhas Galápa- livros explicam-no bem. A esconder tesou- tempo que passou nas ilhas: “Dormi de
gos’. Compro outro livro: “As Ilhas Encanta- ros manchados de sangue pilhados a ou- facto em terreno amaldiçoado.” Embarco
das”, de Herman Melville. O autor de tros navios, em algumas ilhas. Em outras, desconcertado, deixo a orla do império
“Moby Dick” viajara pelo arquipélago a a abandonar a uma morte certa marinhei- humano, lugar talvez assombrado onde as
bordo de um navio baleeiro, na sua juventu- ros indisciplinados, numa outra ainda a pessoas estão de passagem e as tartarugas
de, e este livrinho é um misto de relato de tentar uma colonização forçada com degre- são para sempre. Gostei de ter vindo mas
viagem, histórias de marinheiros e descri- dados das colónias penais da América do estou contente de me ir embora. n
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