se que aos 52 anos de idade continua a provo- foi controlada devido à minha coragem”, as- caso de Raquel Nicoletti, uma trapezista-per-
car calafrios no público com os seus números sume Cardinali concluindo que “há imensos former que começou pelo teatro mas, por
de tigres e leões, o fascínio, desde sempre, domadores que morrem dentro da jaula”. sentir que era “muito pouco ficar só pelo
deste filho e neto de domadores de cavalos. Apesar do perigo que é lidar com feras — chão”, acabou por estudar todas as possibili-
Medo, diz ter sentido duas vezes na vida. Cardinali garante que no seu circo os ani- dades das acrobacias aéreas: trapézio, lira,
Aos 18 anos quando, pela primeira vez, entrou mais não estão amansados com drogas —, diz corda, tecido, dança vertical, etc.
sozinho numa jaula. “Senti arrepios, suores nunca ter usado a arma contra os bichos,
frios, um tremor no corpo. Mas nunca fiquei nem sequer a espingarda para os adormecer. “Omeumedonãoéestarnoar. Posso traba-
paralisado pelo medo. Se algum dia isso acon- Mas revela um medo muito especial: “Às ve- lhar a 40 metros do chão que não sinto verti-
tecer desisto do que faço.” A segunda foi há zes, sonho que os leões me fogem. Viajo rara- gens”, explica a brasileira de 31 anos que, há
vinte anos e em plena apresentação do seu mente porque nunca vou descansado, sem- seis, veio do Rio Grande do Sul para Lisboa
número: o domador recorda que as leoas com- pre a pensar que alguém pode deixar uma dar aulas na Escola de Circo do Chapitô. “O
portavam-se de forma estranha, lutando en- jaula mal fechada, um dos animais soltar-se e medo também tem que ver com o conheci-
tre elas, porventura devido ao cio. “Introme- eu não estar cá para acudir.” mento dos nossos limites. E o meu limite é
ti-me para as separar e elas começaram a Os números aéreos são a grande magia do fazer só o que sei.” Para Nicoletti, “a cora-
avançar para mim e a tentar atacar-me. Mos- circo. No alto da tenda, a dezenas de metros do gem tem a ver com o treino, que é muito dolo-
trei-lhes o pau, que lhes costuma meter re- chão, a lei da gravidade é desafiada por corpos roso, e não com vencer o medo”.
ceio, mas elas não se acobardaram! Fiz-lhes que se lançam em voos e equilíbrios, provocan- Começar a trabalhar sempre a partir do me-
então frente com os tamboretes. A situação do um verdadeiro frisson na plateia. Esse é o do é a primeira coisa que ensina aos alunos.
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