Expresso, 31 de Janeiro de 2009 PRIMEIRO CADERNO 11
CONSTITUIÇÃO
Fernando
Madrinha
Governos de gestão
fjmadrinha@hotmail.com
A um passo do abismo
com mão livres para legislar
TC dá grande
da que a três dias das eleições. ao da inadiabilidade ou urgên- No livro “Governos de Ges- A
nuvem negra da suspei- inocente, como obviamente se
ta que paira sobre o pri- presume enquanto à Justiça — e
meiro-ministro é tão não aos jornais — faltar prova
grave para o país como em contrário, o próprio Sócra-
margem
A posição do TC está no acór- cia”. Aqui surgem as dificulda- tão”, que Freitas do Amaral ree- a crise económica em que este tes resistirá também, e por quan-
dão 65/2002, suscitado por dúvi- des: o TC reconhece que esse cri- ditou em 2002 (em plena gestão está mergulhado. E as duas, to tempo, à tremenda pressão a
de manobra aos
das de Jorge Sampaio em rela- tério tem “uma margem de relati- de Guterres), o futuro ministro conjugadas, tornam-se absoluta- que está a ser submetido.
governos de gestão.
ção a outra decisão do governo va incerteza”, e entende que bas- de Sócrates contesta o entendi- mente insuportáveis, constituin- A juntar à gravidade das suspei-
de gestão de Guterres (altera- ta o Executivo fundamentá-lo. mento do TC, considerando que do um ameaça brutal ao presen- tas, temos ainda que sofrer o ve-
Freitas discordava
ções na gestão dos hospitais e Ora, os juízes admitem que não “é inconstitucional e deve ser re- te e ao futuro. Ao presente, por- xame de uma investigação que
centros de saúde). Para o TC, compete ao TC questionar esses provada” a “desenvoltura” com que a hipótese de queda do Go- atinge o primeiro-ministro por-
O Tribunal Constitucional não quando a Constituição limita os fundamentos, salvo em caso de que os governos legislam por de- verno, por força de eventuais de- tuguês ser conduzida, ou, pelo
tem dúvidas: “Da definição cons- governos de gestão a “actos es- “eventual incongruência” ou “er- creto-lei “muito para além do es- senvolvimentos do caso Free- menos, fortemente pressionada
titucional do âmbito dos poderes tritamente necessários para as- ro manifesto”. Ou seja, só o Presi- tritamente necessário”. O pro- port, não pode ser afastada, ape- por autoridades estrangeiras. Is-
de um Governo demitido não re- segurar a gestão dos negócios dente da República, no seu con- fessor mostra a “firme convic- sar da determinação e da apa- to porque os investigadores na-
sulta nenhuma limitação em fun- públicos”, “não é aceitável que trolo político, pode avaliar se há ção” de que estes actos legislati- rente segurança com que José
ção da natureza dos actos admis- se entendesse o preceito” como “estrita necessidade”. Um enten- vos “devem ser considerados, Sócrates tem enfrentado a situa-
síveis”. A Constituição não impe- limitando esses governos a “ac- dimento que, na opinião do juiz em princípio, proibidos, salvo ção e vai respondendo aos no-
Opaísprecisa
de um governo de gestão de legis- tos de gestão corrente”. Guilherme da Fonseca (voto ven- quando ocorram circunstâncias vos dados. Sem um governo acti-
lar — como fez Sócrates ao alte- “O critério decisivo”, frisam os cido), “abre a porta futuramente excepcionais”. Agora Freitas de- vo e não fragilizado por suspei-
desabersetudose
rar a Zona de Protecção Especial juízes, “é o da estrita necessida- a todas as medidas que um gover- fendeu não haver qualquer ilega- tas tão graves como as que se resumeounãoauma
onde foi construído o Freeport de” dos actos, “conceito que o no de gestão queira tomar”, des- lidade no processo do Freeport. levantaram em torno do seu lí-
“campanhanegra”
— ou de praticar actos como o Tribunal Constitucional tem fei- de que apresente “justificações Filipe Santos Costa der, Portugal caminhará alegre-
licenciamento do outlet, ain- to corresponder essencialmente que não sejam absurdas”. mente para a catástrofe, num
esóaJustiçaopode
fcosta@expresso.impresa.pt
ano em que a acção pronta do
esclarecer
Executivo é reclamada dia a dia
por falências e encerramentos
de empresas em série. Soman- cionais não fizeram o seu traba-
do instabilidade política à reces- lho em tempo útil — fosse por
são económica, mergulharemos incapacidade e negligência fosse
tão fundo na crise que dificil- por qualquer motivo obscuro. E
mente sairemos dela em muitos ainda hoje, no centro de uma cri-
anos. E, no caso extremo de ha- se de confiança, as mesmas auto-
ver matéria que comprometa ridades pouco têm contribuído
José Sócrates, então Portugal para reforçar essa confiança.
terá caído no descrédito total. Só um esclarecimento rápido
Pode até dispensar-se de uma e definitivo do caso Freeport po-
agência para o investimento es- de desviar-nos do precipício pa-
trangeiro, porque aquele que in- ra que caminhamos. O país pre-
teressa deixará, pura e simples- cisa de saber com a maior ur-
mente, de nos procurar. gência se tudo se resume a uma
É preciso apurar toda a verda- “campanha negra”, como o pri-
de, mas com atitudes e prazos meiro-ministro não se cansa de
de emergência nacional por par- repetir e que, a existir, tem de
te das autoridades judiciárias, ser desmontada, ou se há algum
porque o que temos pela frente fundamento, e de que tipo, para
é muito mais grave e sério do as suspeitas que o atingem. Os
que o destino político e pessoal responsáveis pela investigação,
do primeiro-ministro. Isto expli- começando pelo procurador-ge-
ca que, num país onde por tudo ral da República, têm, pois, o im-
e por nada se pede a cabeça de perativo ético e a obrigação pro-
um membro do Governo em difi- fissional de avaliar bem o que
culdades, toda a oposição, com está em causa. E de agir em con-
maior ou menor hipocrisia e cál- formidade, isto é, aplicando to-
culo político, se tenha esforçado dos os meios e energias num
por resistir até agora a essa ten- processo que exige esclareci-
tação. Resta saber se, estando mento urgentíssimo.
Batalha campal
A
abertura do ano judicial frontal, mesmo quando em ex-
decorreu com a pompa cesso, Pinto Monteiro se fique
e circunstância do costu- pelas meias-palavras. Na situa-
me, mas perdeu, parece ção concreta que o país vive,
que definitivamente, o seu ver- mais não fez do que deitar gasoli-
niz tradicional. Se exceptuar- na para a fogueira da suspeição
mos a intervenção do Presidente generalizada. Uma fogueira em
da República, certeiro e objecti- que também arde a investigação
vo quanto à necessidade absolu- judiciária, por conviver tão bem
ta de se legislar melhor, rigoroso com as violações sistemáticas do
e firme na exigência de um siste- celebrado segredo de Justiça —
ma judicial que não viva “à mar- a tal “câmara escura” de que fa-
gem da realidade do país”, aqui- lava o presidente do Supremo.
lo a que assistimos foi a uma au- Não só no caso Freeport, mas
têntica batalha campal. De um em muitos outros pelos quais
lado, o bastonário da Ordem dos têm respondido muitos jornalis-
Advogados, que chegou a falar tas, mas raramente as “fontes”
em terrorismo de Estado, numa que os alimentam.
entrevista que antecedeu a ceri-
mónia, para qualificar certas bus-
cas a escritórios de advogados;
Aaberturadoano
do outro, o presidente do Supre-
judicialilustroubem
mo Tribunal de Justiça a questio-
nar os poderes do Ministério Pú-
aguerrasurdaque
blico, que, a seu ver, não deve ter lavraentreos
o direito de arquivar aquilo que
operadoresdaJustiça
ele próprio investiga “sob a câ-
mara escura do segredo de Justi-
ça”; por fim, o procurador-geral Nos discursos cruzados dos
da República que, num tom épi- três primeiros responsáveis pe-
co inusitado, fez apelo aos magis- los operadores da Justiça, tive-
trados do Ministério Público pa- mos um pequeno afloramento
ra que não se deixem “sugestio- público da guerra surda que la-
nar e menos ainda intimidar por vra entre eles. E algumas pistas
qualquer tipo de pressão ou de para, glosando o que disse Cava-
campanha”. Como se tivesse co Silva sobre o Direito, perce-
queixas a apresentar, mas não bermos porque é que o sistema
quisesse identificar os autores judicial, em vez de resolver, rápi-
de tais pressões e campanhas. da e eficazmente, os problemas
Pena que, ao contrário do bas- reais das pessoas, persiste em
tonário Marinho e Pinto, que tornar-se ele próprio uma fonte
tem a qualidade de ser directo e de conflitos.