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22 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de Janeiro de 2009
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Escalada O número de desempregados inscritos nos centros da Segurança Social disparou, nos últimos meses de 2008, nos
concelhos de Borba e de Paredes de Coura. Um sinal de que a crise se instalou de norte a sul do país e tem raízes profundas
Texto Rosa Pedroso Lima
Foto António pedro ferreira
O regresso
J
oão Pardal conhece o
a Paredes
mal de Borba. Foi apa-
nhado por ele em De-
zembro, depois de 30
dos sem
anos nas pedreiras, a
retirar mármore do
fundo de crateras que
emprego
assustam como preci-
pícios. “Dava muito di-
nheiro” quando começou. Aguen-
tou-lhe uma vida inteira e a da família
alargada com duas filhas, mulher e so-
gros. Mas deixou de dar. E João Pardal Nas ruas de Paredes de Coura ainda
foi despedido. A crise chegou agora co- ninguém sentiu evidentes efeitos da cri-
mo uma estalada e está para ficar. Aqui, se. Não se vêem lojas a fechar, nem fá-
ela vem mesmo do fundo da terra. bricas a anunciar grandes despedimen-
A crise vê-se nas ruas da cidade, sem tos. Mas a verdade é que este foi o con-
serem precisos lamentos, nem queixu- celho que maior aumento de inscrições
mes da gente da pequena cidade alen- no Centro de Emprego registou em De-
tejana. Tropeça-se nela a cada passo, zembro face ao ano passado: 53,65%
porque nas calçadas, nos lambris ou O aparente paradoxo é fácil de expli-
nas molduras das janelas, nas estátuas car: grande parte das pessoas que vi-
ou nos edifícios há sempre mármore — vem em Paredes de Coura não trabalha
a pedra que faz da terra uma das maio- na sua terra. O desemprego que come-
res produtoras do país e tornou o con- ça agora a chegar aos escritórios locais
celho num queijo suíço, esburacado a da Segurança Social é o efeito do desa-
cada canto, para retirar cada vez mais JoãoPardaltrabalhou27anosnosmármores,osectordeactividadequemaisempregosgarantiaemBorba parecimento de postos de trabalho em
fundo uma riqueza que deu, mas se foi terras vizinhas e do regresso de ho-
esgotando. mens que perderam o sustento que ti-
“Tiramos o que não volta a nascer”, nham encontrado na construção civil
diz Jorge Plácido, empresário de uma em Espanha.
das várias empresas de mármores a re-
Uma crise
Contudo, as consequências desta si-
sistir na região. A pedreira que há 18 tuação poderão ser muito difíceis de
anos explora já atinge os 90 metros de resolver, a curto prazo. “Há uma au-
profundidade, mas o que dela sai “tem to-estrada que passa no nosso conce-
piorado, já não saem blocos bons”, da- lho, mas a vila não tem acesso directo
queles de uma pedra imaculada, sem escrita na pedra a ela. Estamos muito isolados”, reco-
veios, nem marcas, que entram no mer- nhece o presidente da Câmara, Antó-
cado ao mais alto preço. Agora, os blo- nio Pereira Júnior. A escola profissio-
cos de dezenas de toneladas custam o nal que foi criada há alguns anos tem
mesmo a retirar, a partir e a transfor- conseguido colocar alguns jovens no
mar. Mas “são de segunda e terceira mercado de trabalho, mas em Paredes
qualidade” e, pior, os compradores tor- de Coura todos reconhecem que não
naram-se raros. “No prazo de quatro há tecido empresarial para absorver
meses, já tive de despedir cinco pes- muitas mais pessoas.
soas”, diz o empresário. Não é o único. Uma parte importante da população
Há 200 pedreiras abertas nos conce- activa do concelho trabalha em Vila No-
lhos de Borba, Estremoz e Vila Viçosa a sempre se arranjam uns planos ocupa- Guerra, seu colega dos mármores, desen- va de Cerveira (para algumas das al-
braços com a mesma crise. “Se os ou- cionais, uma espécie de saída de emer- rasca as contas mensais como taxista em deias do concelho, esta vila fica mais
tros levarem o meu ritmo...” gência para os desempregados mais Estremoz, mas Pardal quer experimen- perto do que Paredes de Coura). Mas,
As estatísticas começam a mostrar persistentes. Agora, porém, o presiden- tar ser patrão de si próprio. Um negócio ali, a crise está a afectar muitas empre-
um quadro negro. Em Novembro, foi te não vê motivo para alarme. “Sincera-
ODESEMPREGO
no bar da Associação Recreativa da al- sas, sobretudo aquelas ligadas ao sec-
Borba o concelho que registou maior mente, não compreendo esses núme-
REGISTADO
deia é uma hipótese em estudo, mas “é tor automóvel. A Dalphi é uma das
crescimento do número de desempre- ros” vindos das estatísticas oficiais de um risco”, diz. “Os jovens abalam e fi- maiores e uma das que têm sido obriga-
gados inscritos nos centros de empre- Lisboa. “Em 2005, sim, houve um pico DISPAROUNOS cam os velhos, que pouco consomem”. das a rescindir contratos com funcioná-
go, comparando com igual período de desemprego”, diz o autarca, sentado Mesmo só com o 7º ano — acabado à noi- rios, parte deles recenseados em Pare-
do ano passado. E a crise tem uma na sala de reuniões da Câmara onde o
CONCELHOS
te num bambúrrio de iniciativa da Junta des de Coura.
saída íngreme. A larga maioria dos assunto “nem foi falado”.
DEBORBA
de Freguesia — as contas de João Pardal Décio Guerreiro é vereador do PSD,
desempregados vem das pedreiras: João Pardal conheceu aos 52 anos as dão resultados demasiado incertos. Não na oposição no executivo camarário,
são homens, com uma média de 50 filas do desemprego, as confusões buro- EDEPAREDES admira. Os cálculos têm agora demasia- mas confessa que ainda não se tinha
anos e baixas qualificações. Não são cráticas e o drama que significam as pala- das variáveis para medir uma crise que apercebido da gravidade dos números
reconvertíveis facilmente, nem têm vras “despedimento colectivo”. Os Már-
DECOURA
tem parcelas muito para além das fron- do desemprego. Mas reconhece que
alternativa à porta, porque a terra mores Batanete — onde trabalhou duran- teiras do país. Começou em Wall Street não será fácil encontrar soluções, sobre-
não dá muito mais, fechada entre te mais de duas décadas — fecharam que travou a fundo a construção, tirando tudo numa população que está envelhe-
uma agricultura sazonal e poucas saí- sem aviso prévio e deixando salários em compradas em nome de palavras-chave 20% do escoamento do mármore de Bor- cida. “O que é que eu vou fazer agora?”,
das nos serviços. atraso aos 24 trabalhadores que resta- como ‘modernização’, ‘reconversão’ ou ba, que antes saía como pãezinhos quen- pergunta Mário Sousa, 57 anos, braços
“Nós costumamos desenrascar”, diz vam. A empresa é um espelho da agonia ‘racionalização de custos’. Pela mesma tes para as obras de todo o mundo. Conti- cruzados à espera de uma resposta à
Verdades Sá, o autarca socialista que da terra. Nos bons tempos, tinha mais de porta, foi sendo apontada a saída a vá- nuou com a globalização que trouxe a urgente necessidade de um emprego
conquistou a Câmara há dois mandatos uma centena de funcionários, muito tra- rias dezenas de operários. Até que che- China para o sector dos mármores com que substitua o seu posto de trabalho
e é um dos maiores empregadores da balho e óptimos clientes que, dos países gou a vez de João Pardal. preços de arrasar a concorrência desde numa fábrica de tectos falsos, desapare-
região. Perto de 200 funcionários de- árabes a Itália, viam as pedras alenteja- Agora, o subsídio de desemprego que a Ásia até Borba. E o Alentejo, aqui, não cida no meio da crise.
pendem do município mas, quando os nas com interesse de perito. Entraram arrecada desde Novembro serve de air- passa do elo mais fraco. Ricardo Jorge Pinto
tempos doem, “servimos de almofada”, na empresa cada vez mais máquinas, bag ao choque que está à vista. António rlima@expresso.impresa.pt rjpinto@expresso.impresa.pt
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