capa maradona
É PRECISO ter fôlego para filmar Ma- gio é partilhado por quem escreve estas li- de Fevereiro começa com um concerto dos
radona e conseguir acompanhar, dentro e nhas) é ver apenas a ponta de um icebergue No Smoking Orchestra, a banda rock de
fora dos relvados, os dribles da vida de um que ultrapassou em muito a esfera desporti- Emir, e alguém o apresenta como “o Mara-
mito que juntou o génio e a irreverência co- va. Acreditamos que Emir Kusturica sentiu dona do cinema” (!), egocentrismo que não
mo poucos. A derradeira polémica, já poste- a dificuldade deste desafio. No início de prima propriamente pela modéstia. Mais
rior ao filme que Emir Kusturica e o “Pelu- 2005, o realizador de Sarajevo anunciou tarde, Kusturica defendia-se numa confe-
sa” apresentaram no último Festival de que ia atirar-se para a empreitada de um rência de imprensa a rebentar pelas costu-
Cannes (e houve show de bola no cimo da- documentário que, no final, Maradona ado- ras, em Cannes: “Sair com Diego para as
quela passadeira vermelha...), rebentou há rou. Na preparação do filme, Kusturica en- ruas de Buenos Aires e acompanhá-lo com
três meses, quando Diego foi nomeado pa- controu Diego várias vezes, em Buenos Ai- uma equipa de filmagem foi uma aventura.
ra treinar a selecção argentina e conduzir res, percorreu com ele as festas porteñas e Não foram poucas as vezes em que eu aca-
os alvicelestes no apuramento para o próxi- conheceu as filhas de “El Diez”, conseguin- bava por perdê-lo na confusão e, perante a
mo Campeonato do Mundo, na África do do tornar-se parte da ‘família’. Na mesa de ausência do herói, houve momentos em
Sul, em 2010. O mundo corou de espanto. montagem, misturou os ‘milagres do direc- que tive de tomar o seu lugar...” Enfim, pelo
Quem poderia adivinhar que a responsabili- to’ com muito material de arquivo e até al- menos o tom é assumido. Quando vemos
dade de tal cargo cairia nos ombros de um guma animação, como aqueles desenhos Maradona a visitar La Bombonera, o mítico
homem que é meio anjo, meio demónio, au-
Este
em que Maradona dribla Thatcher e carica- estádio do Boca Juniores que o lançou para
têntica lenda viva, capaz da glória absoluta tura George W. Bush ao som de ‘God Save a fama, até conseguimos perceber as inquie-
e do declínio mais profundo, quando a um documentário the Queen’, dos Sex Pistols. Este grau de tações do realizador: “Diego! Diego!”, é ver
treinador de futebol moderno se pede, aci-
ma de tudo, rigor, disciplina e discrição?
tem a
intimidade de Kusturica com o clã Marado- para crer como se grita o seu nome. Prova-
na criou embaraço. Muitos foram os que velmente, o documentário de Kusturica,
Não são certamente estas as maiores quali-
mais-valia
acusaram o realizador de “Underground” e tresloucado e livre, até nem é o filme defini-
dades do génio. Aliás, quando se fala de Ma- de “Gato Preto, Gato Branco” de estar a co- tivo sobre Maradona, mas tem a mais-valia
radona, o mais difícil é começar, de tal mo-
de conseguir
locar-se nos bicos dos pés, competindo com de ter conseguido tornar-se íntimo da len-
do são tantos e tão intensos os episódios da
tratar a
um colosso e aproveitando para fazer publi- da, tratá-la por tu e deixá-la, pela primeira
sua vida. Dizer, uma vez mais, que foi o me- cidade extra à sua própria persona. Além vez, contar quem é, na primeira pessoa.
lhor jogador de futebol de sempre (e o elo- lenda por tu disso, o filme que estreia na quinta-feira 19 Há várias vidas na vida de Diego Arman-
AINDACRIANÇA, no
início dos anos 70; nos
tempos em que jogava
nos Los Cebollitas,
equipa infantil dos
Argentinos Juniores;
e no México, quando
se sagrou campeão
mundial pela Argentina
10 31 Janeiro 2009 Expresso