Expresso, 31 de Janeiro de 2009 PRIMEIRO CADERNO 37
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Presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra
quer temas que marquem, dialoguem e interajam com a sociedade
Que futuro para
Daniel Oliveira
os movimentos estudantis?
Henrique Raposo
danieloliveira.lx@gmail.com henrique.raposo79@gmail.com
A suspeita
Estado
de direito
U
ma polícia de um país da União
Europeia suspeita que o nosso
André Oliveira
aberto, caracterizado pela mobilidade e a precariedade.
O mundo é outro e se o mundo é outro, os movimentos
falhado
primeiro-ministro se envolveu estudantis terão de ser diferentes centrando-se em te-
num acto de corrupção no exer-
cício de funções públicas. Não vou aqui
perder muito tempo com banalidades
evidentes: a justiça tem de ser rápida e
todos se presumem inocentes, ainda
A
fusão dos saberes científico e tecnoló- mas que marquem, dialoguem e interajam com a socie-
gico e a relação de simbiose dos pode- dade civil.
res económico e político que se desen- Numa sociedade complexa que se baseia na visão e na
volveram no último século, origina- antecipação, o movimento estudantil deverá, neste iní-
ram transformações e mutações so- cio do 3º milénio, reinventar um ideário que incorpore E
xistem os Estados falhados,
e, depois, existem os Estados
de Direito falhados. A Somá-
lia lidera a primeira catego-
mais se nem arguidos são. A justiça lida- ciais de tal forma profundas e a um novas dinâmicas, novas ideias e novos objectivos. Este ria; Portugal é o campeão do segun-
rá com esse assunto. Esperemos que me- ritmo tão vertiginoso que novos para- novo enquadramento exige dos movimentos estudantis do grupo. O nosso país já é uma de-
lhor do que fez no passado recente. O digmas civilizacionais se foram confi- uma maturidade cultural, no mais amplo sentido da pa- mocracia, mas ainda não é um Esta-
nosso problema agora é outro: é político. gurando e instalando. lavra e uma responsabilidade social que lhes permita do de Direito. Na praça pública, os
E isto, num ano de eleições e quando en- Esta profunda mudança, consequência das principais e encetar novas formas de diálogo e discutir novas formas nossos juízes e magistrados falam co-
tramos num período longo de crise. decisivas transformações das duas últimas décadas — o de vinculação institucional. mo se fossem santos intocáveis. Mas
As mais piedosas e justas intenções não computador pessoal e a Internet — teve um impacto so- Um movimento estudantil liberto de formatações este- não são. Aliás, o caos da nossa justi-
resolvem o facto deste caso fragilizar o cial muito mais relevante do que as modificações ocorri- reotipadas, socialmente responsável e culturalmente adul- ça, visível no caso Freeport, começa
governo português dentro do país e, não das durante as últimas gerações que nos precederam. to que seja capaz de redescobrir, desenvolver e consolidar logo nos interesses e guerrilhas cor-
menos grave, fora dele. Num momento Desde então, na sociedade em que vive¤mos, o valor o diálogo com a instituição universitária e com a própria porativas dessas santidades impu-
normal, um político, mesmo que inocen- acrescentado é, cada vez mais, informação e conheci- sociedade, fomentar a apetência para outras formas de nes: juízes e magistrados.
te, não aguentaria esta pressão. Porque mento. E, se assim é, cabe à Universidade um papel acção colectiva e para a redefinição de agendas que in- Um facto ridículo marca o
o país não estaria disposto a enfrentar preponderante e uma missão decisiva, já que ela cons- cluam a discussão de novos métodos de ensino e aprendi- dia-a-dia da nossa justiça: os juízes e
uma crise económica destas dimensões titui uma das maiores fontes de produção e difusão de zagem e a formatação de novas estruturas curriculares. magistrados portugueses têm sindi-
na eminência de a ela acrescentar uma conhecimento. Todavia, o movimento estudantil não pode nem deve catos. Como é óbvio, um sindicato
crise política. Mas, como o PSD não exis- Mas a universidade da próxima década terá de ser, ine- ignorar o cenário em que se desenrola o ensino superior de ministros ou de deputados seria
te e Sócrates esvaziou o PS, não há um vitavelmente, diferente daquela que hoje conhecemos em Portugal. Implementação de um modelo de governa- uma ideia estapafúrdia. Ora, um sin-
plano B. ou porque ela própria se conseguiu transformar ou por- ção universitária de inspiração americana que mitiga os dicato de juízes é uma ideia tão ab-
Por isso, cabe a José Sócrates portar-se que a evolução económica e social a isso a conduziu. princípios da gestão participada e democrática. Adop- surda como um sindicato de deputa-
de forma exemplar neste processo. Só- Mas será que a universidade é capaz de mudar? E que ção de um sistema de ensino uniformizado com a Euro- dos. Mas Portugal vive dentro desse
crates saiu das suspeitas sobre a sua li- papel estará reservado aos movimentos estudantis? pa comunitária que, cada vez mais, se configura como absurdo. Tal como ministros e depu-
cenciatura e sobre os seus projectos de A motivação profunda dos movimentos estudan- uma simples operação de cosmética. Fixação de propina tados, os juízes são titulares de ór-
engenharia com meias respostas e a dis- tis anteriores ao 25 de Abril, esteve mais ligada às máxima para um dos mais baixos rendimentos per capi- gãos de soberania. E a soberania
tribuir acusações. No primeiro caso, fi- condições da ditadura, à repressão e à guerra colo- ta da União Europeia e financiamento por aluno elegí- não é “sindicalizável’. Isto não é ma-
quei meio-convencido, no segundo fi- nial, do que à luta por melhores condições de ensi- vel substancialmente inferior à média comunitária. téria de opinião. É uma regra objec-
quei meio-desconfiado. E o problema é no e aprendizagem ou por maiores regalias sociais Isto é, sonhos americanos e desejos europeus, tristemen- tiva de um Estado de Direito. Que
exactamente este: a vitimização, a irrita- que eram questões algo distantes da agenda políti- te, suportados por um frágil financiamento à portuguesa. respeito podemos ter por um magis-
ção e a indignação podem ser excelentes ca dos movimentos associativos. trado ou juiz que se organiza de for-
para excitar a claque, mas não chegam A sociedade actual não partilha das ma sindical ameaçando fazer greve?
para dissipar as dúvidas. problemáticas A soberania não faz greve contra si
Em vez de atacar os jornalistas, de lan- do Portugal
S
AMPAIO
própria, e o Estado de Direito tem
çar desconfianças sobre o sistema judi- de 1962 ou de estar acima de critérios sindicais.
cial e de apontar o dedo a quem faz leitu- de 1969
CRISTINA
Um juiz deve ser uma ilha, e não
ras políticas do que tem, como é eviden- nem, uma parte de um arquipélago corpo-
te, consequências políticas, Sócrates tem mesmo, do rativo. Não está aqui em causa o ca-
de, com toda a serenidade, convencer os Portugal dos rácter pessoal dos juízes. Estou ape-
portugueses. Sim, é verdade que na justi- anos 80 e 90. A
ILUSTRAÇÃO
nas a dizer que um sindicato de juí-
ça a inocência não se prova. É a culpa globalização surge, hoje, zes é um elemento impróprio na or-
que se tem de comprovar. Mas a opinião como uma realidade gânica institucional de uma socieda-
pública não é um tribunal e a política tem tangível. de livre.
uma lógica própria que os seus actores Vivemos numa Esta ambiência corporativa acaba
não controlam com códigos escritos. Se- sociedade à por infectar todo o funcionamento
rá injusto e demasiado pragmático. E Só- ‘velocidade da justiça. Dou três exemplos desta
crates terá de estar à altura. Porque ele da Internet’, infecção: as progressões na carreira,
não é um cidadão qualquer. Neste mo- que funciona o ‘segredo de justiça’ e a intromis-
mento de crise, a nossa vida também de- como um são no acto legislativo por parte das
pende da sua credibilidade. Infelizmente, organis- corporações sindicais.
ela não pode ficar à espera da justiça. mo Os nossos juízes sobem na carreira
vivo, de forma automática, como se fos-
dinâmico, sem meros funcionários administra-
Não é para
tivos de uma Junta de Freguesia. A
sua competência nunca é verdadeira-
velhos
mente avaliada; são apenas avalia-
A urgência política de um país mais justo
dos pelos seus pares, isto é, pelos
seus parceiros de sindicato. Em rela-
ção ao sacrossanto ‘segredo de justi-
O
grau de decência de uma socie- ça’, começa a ser evidente uma coi-
dade mede-se pela forma como go à beira dos 9% com tendência pa- Embora difusa, a percepção do fac- sa: esta estranha figura jurídica ser-
trata os que não produzem: ra piorar nos próximos anos. to instalou-se. E se todos se dizem ve somente para proteger a lentidão
crianças e velhos. E a nossa, já Nesta matéria, e apesar do farisaís- de acordo quanto à necessidade de dos magistrados e da polícia. Mais:
sabemos, é indecente. Uma investigação mo com que o PS explora o velho soluções políticas urgentes, já quan- vários agentes da justiça usam o ‘se-
da DECO, com o adequado nome de “Es- imaginário de esquerda que prome- to ao seu sentido não há consensos. gredo de justiça’ para lançar fugas
te país não é para velhos”, concluiu que, te uma sociedade igual e fraterna, o A esquerda tem simplificado a dis- de informação destinadas a corroer,
em 28 lares, 27 não tinham condições de Governo falhou em toda a linha. A cussão e continua a iludir as dificul- na praça pública, a presunção de ino-
segurança adequadas às suas funções.
Sofia Galvão
pobreza enquistou-se, abrangendo dades. É óbvio que não é possível cência das pessoas visadas.
Mais do que o lastimável estado de mui-
sofia.s.galvao@gmail.com
já cerca de 1/3 da população empre- acreditar numa efectiva mudança Mas o facto mais intrigante da justi-
tos lares, o que perturba é ainda estar- gada. As desigualdades agrava- com base em intervenções avulsas, ça portuguesa é mesmo a forma co-
mos na fase em que olhamos quase exclu- ram-se, rigidificando a sociedade, ainda por cima se dirigidas aos sinto- mo as corporações judiciais opinam
sivamente para as suas condições físicas. coarctando as oportunidades e os mas e não às causas. sobre a feitura das leis. Que respeito
A verdade dolorosa é que, tal como trans- Os paliativos conjunturais (das acessos, tornando inelutáveis as ex- Para que Portugal possa transfor- podemos ter por magistrados e juí-
formamos as escolas em depósitos para medidas fiscais aos subsídios) pectativas definidas à partida. O mar-se num país consistentemente zes que pressionam o poder político
os nossos filhos, transformamos os lares não podem confundir-se com mercado de trabalho deteriorou-se, menos desigual, e porque o mal é es- para legislar de uma certa maneira?
em depósitos para os nossos pais. soluções perenes, sob pena diminuindo o trabalho qualificado trutural, é forçoso promover o cres- Parece que os agentes da nossa justi-
A nossa vida mudou. As mulheres, feliz- de produzirem efeitos perversos (menos 60 mil empregos desde cimento do produto potencial, criar ça faltaram à lição básica da vida po-
mente, trabalham. As famílias são mais a médio e longo prazo 2004), aumentando o número de oportunidades, induzir a mobilidade lítica de uma sociedade livre: os juí-
pequenas. E a competição no trabalho trabalhadores que aufere apenas o social, estimular a competitividade, zes e magistrados fazem cumprir a
ou a simples luta pela sobrevivência dei-
P
ortugal tem problemas estru- salário mínimo (hoje já 6%). O de- fomentar o emprego, romper com a lei, mas não fazem a lei. Ainda nesta
xam pouco tempo para as obrigações turais gravíssimos. Um deles, semprego explodiu, com novos e pobreza endémica. Os paliativos con- semana, o presidente do Supremo
dos afectos. Pior: os mesmos que tratam talvez aquele que mais directa- preocupantes níveis de desemprego junturais (das medidas fiscais aos Tribunal de Justiça (STJ) afirmou
a exigência de mais tempo sem trabalhar mente interpela as nossas crónico, fenómenos até agora desco- subsídios) não podem confundir-se que é fundamental uma alteração le-
e mais segurança no emprego como lu- consciências, traduz-se na dura evidên- nhecidos de desemprego qualificado com soluções perenes, sob pena de gal ao nível do sigilo bancário. Meu
xos delirantes querem esvaziar o Estado cia de um país socialmente injusto. e uma crescente afectação das fran- produzirem efeitos perversos a mé- caro presidente do STJ, o seu papel
das suas obrigações sociais. O caminho é Dois milhões de pobres, o país jas mais vulneráveis da sociedade dio e longo prazo. não é opinar sobre alterações legais.
o contrário: se queremos sobreviver co- mais desigual da zona euro, uma ele- (seniores, mulheres, imigrantes e jo- Para ter futuro colectivo, Portugal Se sua excelência tem tanta volúpia
mo uma civilização onde ninguém está à vada taxa de abandono escolar, a vens). Os desequilíbrios inter-regio- precisa de sentir a urgência de ser pelo acto legislativo, então, só tem
partida excluído do mercado de traba- pior mobilidade social da UE, uma nais na distribuição do rendimento mais justo. Mas, para chegar lá, é im- duas coisas a fazer: demita-se da car-
lho, têm de nos deixar dividir o tempo impressiva cristalização dos salários líquido cresceram significativamen- perativo que aposte em respostas es- reira de juiz e concorra à Assem-
entre a nossa vida e a nossa profissão. na base e no topo da escala, a mais te (Lisboa, região mais rica, viu apro- truturais dirigidas a um novo mode- bleia como deputado. É que não vive-
Para os nossos filhos crescerem com pais alta taxa de trabalhadores emigra- fundar-se o fosso que a separa dos lo social e ao reforço das responsabi- mos numa república de juízes, mas
e os nossos pais morrerem com filhos. dos noutros países da UE, desempre- Açores, ainda a região mais pobre). lidades individuais. numa democracia liberal.
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