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28 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de Janeiro de 2009
QUÉNIA
Kibera O acesso mensal à única torneira de água
municipal deste bairro de lata de Nairobi pode
custar tanto como o aluguer de uma casa
Aqui
tudo se
paga
O bairro do “Fiel Jardineiro”
da nas centenas de habitações feitas vas construções e respectivos paga-
Texto e Fotos Catarina Nunes
de adobe e cobertas com placas de zin- mentos. Quem quiser instalar-se por
em Nairobi
co confunde-se com as actividades no aqui não pode acomodar os seus per-
espaço público. Crianças que mal co- tences onde lhe apetece. Kibera tem
P
eter Osoro faz as hon- meçaram a andar deambulam à sua três categorias de rendas. Uma área de
ras da casa e de anjo da sorte entre dejectos e lixo, enquanto dez metros por dez metros, numa bar-
guarda em Kibera, o adultos se dedicam ao pequeno comér- raca de adobe, vale entre 200 e 400
bairro de lata de Nairo- cio ou à confecção da próxima refei- xelins (dois e quatros euros) por mês.
bi que se mostrou ao ção. Ou, simplesmente, observam Por uma construção com folhas de alu-
mundo em “O Fiel Jar- quem passa, à espera que passe mais mínio, paga entre 400 e 800 xelins, en-
dineiro”, filme que pôs um dia. Num grelhador atirado para a quanto um lar de tijolo sobe para entre
a nu a falta de escrúpu- rua ardem cabeças de cabras, ainda 1000 e 1500 xelins. Isto numa realida-
los da indústria farma- com pêlo viçoso e olhos alerta, que de em que a esmagadora maioria da
cêutica nos países africanos. têm como destino uma sopa apreciada população é forçada a sobreviver com
Não se perde no emaranhado de be- pelos locais. “Quer experimentar?”, menos de um dólar por dia (bastante
cos e vielas que compõem a lixeira a pergunta Peter. Não, obrigada... menos que um euro).
céu aberto, com 2,5 quilómetros qua- É com conhecimento de causa que Pe-
drados de área, onde cerca de um mi- ter explica a organização do bairro. To-
Uma torneira para um milhão
lhão de pessoas tem o seu lar. Viveu dos sabem os seus direitos e obrigações
aqui desde a adolescência, quando e poucos querem sair daqui. “Não têm O acesso a água potável é o principal
abandonou Kisii (norte do Quénia), até dinheiro para viver no sistema formal, problema. Um garrafão de vinte litros
ao início da idade adulta. Vai apaziguan- em que tudo é muito mais caro, nem custa 3 xelins e está disponível através
do os ânimos de alguns moradores, pou- vontade de viver num ambiente que de uma torneira (a única além de outra
co abertos ao convívio com forasteiros, não conhecem nem dominam”, justifi- disponibilizada pelo Banco Mundial),
proferindo, num tom firme, palavras ca. Constroem uma minúscula barraca explorada por um visionário de um ne-
em suaíli (dialecto mais falado no Qué- num cantinho de terra e roubam electri- gócio rentável e sem fim à vista. A ori-
nia). “Venha, comigo está segura. cidade com um cabo clandestino. O gem do precioso líquido é a companhia
Bem-vinda a Kibera!”. dia-a-dia é orientado a trabalhar fora de abastecimento local, que colocou
A atitude agressiva, contrária ao sor- do bairro ou com pequenas transac- Atorneiraque um contador num dos caminhos mais
riso aberto e delicadeza de modos dos ções, mais ou menos legais, cujos segre- forneceágua movimentados do bairro.
quenianos, tem uma razão de ser. Lon- dos não trespassam a linha de comboio aKibera Ter água custa quase o mesmo (dois
ge dos condomínios e clubes exclusi- que separa Kibera das leis estabeleci- (emcima)passa xelins) do que se paga para aceder à
vos (herança da colonização inglesa), das pelo Governo de Raila Odinga (pri- odiaaencher privacidade de quatro paredes com por-
dos hotéis e restaurantes para estran- meiro-ministro). jerricãs, ta e um buraco no chão, a que chamam
geiros e endinheirados, são eles que di- Por trás da liberdade aparente vivida cobrados casa de banho. Por isso, o mais comum
tam e fazem cumprir as leis. A ferro, por esta gigantesca minoria escon- àunidadede20 é optar-se pela económica solução do
fogo e xelins quenianos, e aplicam-se a de-se um sistema que a mantém agri- litros.Aeleição espaço público ou pelo recurso a um sa-
quem faça parte do bairro, ou não. “Te- lhoada. Em Kibera tudo se paga e é mo- deObamanão co plástico, que depois é lançado para
mos que ser discretos porque se perce- nitorizado por um “chefe” designado foiindiferente os telhados ou abandonado na rua. Sis-
berem que é jornalista, vêm pedir-lhe pelo Governo municipal, proprietário aobairro:“Pode tema de esgotos e água canalizada são
dinheiro”, avisa o corpulento chefe da dos terrenos, que garante que o mi- umnegroirpara uma modernidade que não chega a es-
segurança do Hotel Norfolk (o mais an- lhão de habitantes está sob controlo. É aCasaBranca? tas bandas, apesar de telemóveis e ou-
tigo e um dos mais luxuosos de Nairo- ele quem mantém o statu quo, vindo Sim,pode”,lê-se tros gadgets estarem disponíveis para
bi), de arma no bolso. À primeira vis- regularmente a Kibera para se inteirar novidrodesta venda em bancadas improvisadas à
ta, regras é coisa que não existe. A vi- das novidades. Novos moradores, no- carrinha frente de algumas barracas. Na capital
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