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26 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 31 de Janeiro de 2009
Qualidade Devida
Luísa Schmidt
Desperdício Em Portugal, pior do que o mau aproveitamento da riqueza natural é a sua destruição oficial
A árvore das patacas somos nós
U
m quilo de flor de sal havido, muitos produtos há que se en- Acresce que em vários países euro- ras cuidadosas e subtis, quase artísti- te as patacas das árvores que temos.
de Castro Marim va- contram numa espécie de limbo comer- peus, com destaque para a Itália, há cas. Produtora de excelência, a agricul- E tudo isto pensando apenas no pro-
le actualmente mais cial: a sua excelência é reconhecida, uma aposta crescente neste tipo de con- tura biológica beneficia o ambiente, o duto natural e fresco. Se lhe acrescen-
de 45 dólares no mer- mas não conseguiram aparecer fora do sumos: desde as cantinas escolares e consumidor, o empresário e ainda ou- tarmos a transformação (conservas, cal-
cado gourmet nor- esconderijo onde vivem. Porquê? hospitalares, aos agro-turismos que tros sectores. das, doces, fumados) e ligarmos tudo
te-americano. Pare- Particularmente no plano alimentar, são cada vez mais procurados. Se, além disso, for transmitida a ideia isto aos recursos naturais e à paisagem
ce surpreendente. O Portugal tem recursos fantásticos infe- A agricultura biológica que se esten- de que a excelência destes produtos ofe- — imagine-se o potencial de riqueza
empresário que con- lizmente malbaratados por gerações su- de à pecuária e à agro-indústria, tem, rece uma experiência superlativa quan- que temos.
segue esta proeza cessivas. como se sabe, inúmeras vantagens do consumidos no local de produção, Foi isso que o ‘velho’ Porter nos veio
não beneficia de nenhum PIN! E, contu- Basta ver a espantosa oferta sobretu- ambientais e nutricionais. Produz teremos ainda um movimento de cultu- dizer há anos e, mesmo assim, não pará-
do, com um produto assim rústico e tra- do italiana e francesa, e também algu- sem recurso a pesticidas químicos, ra local e de turismo de excelência. mos de destruir as condições ambien-
dicional, consegue gerar um enorme va- ma espanhola, para perceber que qual- usa adubos naturais, e dela resultam E perante isto, que empenhos move- tais necessárias à nossa boa árvore das
lor — muito acima daquele que se con- quer coisa neste país anda enganada. produtos muito mais saborosos e du- mos nós? Prédios e apartamentos enca- patacas.
segue com o boçal e repetitivo produto Há um sector então onde tudo parece radouros. valitados com vista para o mar, para on- Os espanhóis já perceberam isto, tan-
igual em toda a parte. ainda mais especial: o dos chamados E é nisto então que o país aposta em de fazemos desaguar os esgotos de to- to que a ministra da Agricultura de Es-
O caso parece extraordinário mas o produtos biológicos. Portugal tem con- força e com coragem? Não. Uma velha das aquelas casas numa cacafonia urba- panha esteve há pouco tempo em Por-
mais extraordinário é que não o é. O dições óptimas para estes produtos — sensibilidade bronca que gerações su- nística que nos não distingue de todos tugal para assinar uma Carta Ibérica
país tem um enorme potencial para que, além de objectivamente excelen- cessivas de responsáveis vêm herdando os outros sítios! das produções biológicas que, para
produtos de qualidade capazes de indu- tes, têm ainda uma condição comercial e transmitindo desde os tempos herói- Recorde-se que, onde hoje se produz eles, constituem um grande horizonte
zir desenvolvimento e riqueza, de incor- muito favorável. Em plena crise, a pro- cos das campanhas do trigo, não conse- a preciosa flor de sal de Castro Marim, de esperança e investimento.
porar tecnologia e de projectar interna- cura deste produtos não só não dimi- gue deixar de rir com descrédito destas estava para ser construída uma me- Por cá ao facto foi dada tanta impor-
cionalmente as empresas que neles nuiu, como continua a justificar a aber- coisas que considera pueris e ilusórias, ga-ETAR ao serviço das retretes das tância, que o nosso ministro da Agricul-
apostam. tura de mais pontos de venda um pou- quando afinal são elas que permitem co- vastas urbanizações de Monte Gordo. tura, tão hábil a mobilizar os media,
E não é só a flor de sal de Castro Ma- co por todo o país. lher patacas de árvores. Impõe-se uma mudança de paradig- não se dignou considerá-lo notícia.
rim, ou o clássico vinho do Porto, ou as Para mais, segundo um relatório inter- A agricultura industrialista gosta de ma como agora tanto se diz também. O país não tem que se queixar da sor-
conservas célebres e raras como as da nacional, ao nível do mercado mundial produções musculadas. Contudo (so- As produções bio que acrescem em te e do destino. O que tem à mão é pre-
Tricana, ou os azeites excelentes… Ape- continua a existir uma procura muito bretudo num país como Portugal), o ne- valor à excelência natural dos produ- cioso. A riqueza em Portugal consiste
sar dos ICEP (e API ...) todos que tem superior à oferta. gócio está cada vez mais nas agricultu- tos tradicionais são verdadeiramen- antes de mais em não estragá-la.
NÃO HÁ
bloqueá-las. Era mais rápido dizer que nossa Reserva Agrícola Nacional (RAN)
MINISTÉRIO
às medidas, chega a ser grotesco de tão
ZONAS LIVRES…
são proibidas! Acresce que o princípio deveria ser escrupulosamente
ANTIAGRÍCOLA
complicado e até impossível de
secretista em Portugal continua tão acautelada, quanto mais não seja por satisfazer para um agricultor médio
fundo que é impossível saber onde uma questão de segurança estratégica. que não possa contratar uma empresa.
Passados dois anos da publicação da ficam todas as explorações de OGM. Os nossos solos classificados como O sentido antiagrícola do Ministério da Acresce que as medidas acabam por
portaria que permite às autarquias e Isto apesar do Ministério da Agricultura ‘muito férteis’ já correspondem apenas a Agricultura não se fica pelos solos… As beneficiar sobretudo os proprietários
regiões declararem-se livres de OGM, estar obrigado por lei a publicar esta 4,5% da superfície cultivável e somos o importantes medidas agro-ambientais com maior capacidade de investimento,
ou seja, interditarem o cultivo de informação online e ter já dois país da UE com maior percentagem de que a UE promove e generosamente dado que os apoios são apenas pagos
organismos geneticamente pareceres da Comissão de Acesso aos solos férteis impermeabilizados por nos financia, têm sido manhosamente no ano seguinte. Tudo isto será
modificados, Portugal tem apenas uma: Documentos Administrativos a construções de vária ordem. Apesar desincentivadas e até impedidas pelo incompetência ministerial? Não. Parece
o município de Lagos. A portaria está considerar que a informação deveria disto, o processo continua justamente próprio Ministério da Agricultura que má fé. É que os fundos europeus
de tal modo armadilhada que torna ser imediatamente disponibilizada. Um sobre os nossos solos de melhor as gere e deveria promover. Também destinados às agro-ambientais, se não
quase inviável a existência destas zonas. país como o nosso, que deveria apostar qualidade: as grandes plataformas aqui era mais rápido dizer que são forem gastos, podem ser aplicados a
Começa por exigir que haja um mínimo em nichos de produção de excelência, logísticas, desde a de Castanheira de proibidas. O pacote de medidas outros fins e o Ministério da
de 3 mil hectares de exploração tem muito pouco interesse em apoiar Pêra à da Trofa — estão a ser agro-ambientais, que é da maior Agricultura encontrou neles uma
agrícola contínua por acordo entre os ‘interesses’ da indústria das plantas construídas nos tais 4,5% de solos muito importância para a excelência das espécie de expediente de caixa. Quanto
todos os agricultores. Depois, os geneticamente modificadas. férteis. Tal como a futura cidade produções e das suas respectivas mais não seja por uma questão de
municípios que pretendem ser livres de aeroportuária também se projecta para condições naturais, tem vindo a ser dignidade, neste ano de eleições
OGM têm de obter a aprovação da cima de uma das melhores zonas drasticamente mutilado e asfixiado. Por europeias, o fenómeno deveria ser
proposta em Assembleia Municipal por
CIMENTO
hortícolas do país. Esta fúria de exemplo, em Planos Zonais como o de fiscalizado. Podemos dizer que a UE
maioria de dois terços; mas basta que
OU ALIMENTO?
destruição das reservas agrícolas Castro Verde, o prémio médio por está a ser burlada nas suas intenções
um único agricultor da zona não queira tornou-se tão insistente e regular que o hectare passou de cerca de 80 euros, por uma conduta matreira do
participar nesta classificação, para todo próprio Ministério da Agricultura criou a em 1997, para metade no início dos Ministério da Agricultura. Para não
o processo se gorar. Há qualquer coisa Com uma dependência alimentar dada altura um gabinete de… anos 2000 e agora para um quarto. falar nos danos que esta ‘despolítica’
de transgénico nesta legislação… A externa cada vez maior — por exemplo, “Desanexação da RAN”! É bizarro ver Além deste claro desincentivo que deixa está a trazer a um país onde as
portaria que, em princípio, viria regular mais de 85% dos cereais e leguminosas um Ministério da Agricultura tão de compensar o agricultor, o dispositivo agro-ambientais deveriam ser
as zonas livres; na prática veio que consumimos são importados — a zelosamente anti-agrícola… regulamentar e burocrático para aceder agarradas com as duas mãos.
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