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Expresso, 31 de Janeiro de 2009 PRIMEIRO CADERNO 29
‘Efeito Obama

Calma
transforma Kogelo
refreia
O ministro do Turismo queniano
previu, em Novembro passado,
ódios
que o número de visitantes
dos Estados Unidos aumentaria
entre dez e 15% com um investimento antigos
num circuito a começar em Nairobi
passando por Rift Valley e pelo Lago
Vitória até chegar a Kogelo. Kogelo?
Isso mesmo: um aperitivo do berço O Quénia vive um período
dos antepassados do então-futuro de calma após os massacres
44º Presidente dos EUA, Barack de 2007. Paz verdadeira só
Obama. O anúncio foi feito na feira com um profundo processo
de turismo World Travel Market de de reconciliação
Londres e o acesso à aldeia parecia
prometer, assim dito pelo ministro Presidente Kibaki e o primei-
Najib Balala, fazer fluir o tráfego ro-ministro Raila Odinga são ri-
turístico para o Quénia. A publicidade vais políticos. Apesar disso, assu-
que as origens africanas do miram perante o Quénia e a co-
entretanto eleito Presidente Obama munidade internacional dividir
têm feito ao país não podia ser mais as pastas e as responsabilidades
bem-vinda. O Quénia precisava de governação mediados pelas
de recuperar a confiança do turismo Nações Unidas, depois de a na-
depois da violência pós-eleitoral ção ter pegado fogo perante sus-
de 2007. Os números ainda não são peitas de manipulação do resulta-
conhecidos, mas Kogelo encheu-se do eleitoral de 27 de Dezembro
de ocidentais a festejar a tomada de 2007.
de posse de Obama. C.P. Depois de mil e quinhentos mor-
tos e mais de 300 mil deslocados
internos, o clima entre os políti-
cos não é completamente ameno
e ainda na semana passada Mwai
Kibaki foi acusado de não consul-
tar Odinga sobre as decisões res-
peitantes à reforma eleitoral, a
uma controversa lei para a comu-
nicação social e à nomeação dos
embaixadores. O primeiro-minis-
tro aproveitou para reunir os qua-
dros do seu partido para gizar
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corposporsepultaresperam
seridentificados,desdeo
massacredeDezembrode
2007,namorguedeEldoret,
anortedacapitalNairobi
um plano de acção, enquanto o
Parlamento discutia o reforço or-
çamental de emergência, neces-
sário para atender à falta de ali-
mentos que afecta dez milhões
de quenianos (em 38 milhões).
Para a população em geral, é
tempo de sarar feridas. Lugares
pouco prováveis como Kibera, o
bairro de lata que alberga um
dos três milhões de habitantes da
capital, Nairobi, e onde os con-
frontos políticos e étnicos foram
do Quénia há habitação social, mas é
Um bairro de Algés a Alcântara
Portugueses ajudam
mais sangrentos, acabou por ser
construída para os polícias e outras refúgio para órfãos fugidos de ou-
classes de funcionários públicos que tras cidades também afectadas
possam ajudar a manter o poder vigen- pelos massacres. Trabalhadores
te. O resto da maioria da população é n Sobre a planta de Lisboa, Kibera Em Kitui Ndogo, não há turistas nem de organizações sociais que ali
aquartelada nestes espaços. O direito a ocuparia uma faixa de Entrecampos ao agências de ajuda humanitária. Neste operam sustentam que nada vol-
viver aqui é conquistado à custa de pa- Terreiro do Paço ou de Algés a Alcântara bairro vizinho de Kibera (com ‘apenas’ tou a ser como dantes. Já não se
gamentos aos gangues organizados, 14 mil habitantes), as ajudas já fala livremente. Há calma mas
que extorquem dinheiro a troco de não n Grande parte dos quenianos ricos partiram. Missões católicas ergueram não há paz, e as pessoas não es-
destruírem o pouco que os moradores vive em Nairobi, mas a maioria latrinas com privacidade e um sistema tão seguras de que as questões
conseguiram erguer. Já para não falar dos nairobianos é pobre. Metade rudimentar de esgotos a céu aberto, fundamentais de divisão das ter-
dos recorrentes confrontos violentos, da população vive em bairros de lata mas deixaram a população sem forma ras e da animosidade étnica não
que opõem os membros das seis tribos que cobrem 5% da área da cidade de utilizar estas infra-estruturas, devido voltem a acender os ânimos.
que aqui coabitam. à falta de água. O apoio à comunidade No final de Dezembro passado,
Armstrong Ongera sabe do que fala. n Alberga um milhão de pessoas é feito por uma portuguesa que já os chefes de Estado e de Governo
Alojou-se durante dois meses em Kibe- dos três milhões que vivem na capital montou um orfanato noutra zona acordaram que um tribunal local
ra com o jornalista norte-americano Ro- miserável (Ongata Rongai) e de um julgaria os instigadores da violên-
bert Neuwirth, para o ajudar na reco- n Ocupa 2,5 km2 dos 684 km2 da área queniano que escolheu como missão, cia que eclodiu na sequência da
lha dos dados e das percepções que vie- total da cidade através da Foundation for Orphaned contestação dos resultados das
ram a integrar o livro “Shadow Cities: Children, convencer as famílias do urnas, em 2007. Cumpridos os
A Billion Squatters”, um retrato dos n Nairobi cresce 6,9% por ano. Em bairro a deixarem as crianças estudar. prazos de constituição do tribu-
maiores bairros de lata do mundo. “Os 2005, terá cinco milhões de pessoas Numa escola instalada num barracão nal, se as audições não começa-
gangues têm propósitos diferentes: uns feito de chapas de zinco, 75 miúdos rem em Março será entregue ao
podem controlar a construção de novas aprendem suaíli e inglês. Valem-lhe os Tribunal Penal Internacional
casas, os pequenos comerciantes, o modestos contributos pecuniários dos uma lista de suspeitos selada.
acesso às puxadas de electricidade, ou moradores e a ajuda de Laura Há quem diga que na lista cons-
até ameaçar com a violação das mulhe- Vasconcellos (na foto). A presidente da tam nomes de políticos e empre-
res das famílias, caso não seja pago o Associação para a Defesa dos Direitos sários proeminentes... O objecti-
exigido”, conta o activista dos direitos Humanos estendeu até aqui o vo é impedir os supostos envolvi-
humanos que lidera a organização Capi- programa de apadrinhamento de dos de exercer cargos públicos
tal Youth Caucus Association (CYCA). crianças à distância, que já aplicou no enquanto se aguarda a sentença.
O mais recente êxito de Leona Le- orfanato que ergueu com os seus Até às últimas eleições, o Qué-
wis, a gritar num aparelho de rádio, e meios e que pôs portugueses a dar a nia era um dos principais impul-
recortes de jornais e revistas com a fo- mão a quenianos. Neste amontoado de sionadores da África Oriental,
tografia de Cristiano Ronaldo ou Oba- baiucas, há quem, no mesmo espaço no um destino de lazer apetecido e
ma, afixados no interior de minúscu- chão, durma e faça fogueiras para um credível mediador dos confli-
los bares, provam que Kibera não é cozinhar. Repetem o modo de vida que tos nos países vizinhos. Em lenta
noutro planeta. No caminho para Ki- seguem desde os anos 1960, quando recuperação, dá graças pela aten-
bera, a inscrição com letras garrafais fugiram das zonas rurais. “Falta tudo”, çaõ dispensada pelos media inter-
na parede exterior de um bar traduz o resume Silvester com um sorriso. Nem nacionais a Kogelo, a aldeia onde
espírito deste povo: “Never give up, li- tudo. Há uma barraca que funciona nasceu o pai do Presidente Ba-
fe continues” (Nunca desistir, a vida como cabeleireiro e um salão de jogos rack Obama. Fica no Quénia e es-
continua). Provavelmente é desta for- com mesa de bilhar. A miséria não lhes tá a fazer as honras da casa.
ma que vai prosseguir. retira a auto-estima nem Cristina Peres
cnunes@expresso.impresa.pt disponibilidade para o lazer. C.N. cperes@expresso.impresa.pt
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