Expresso, 31 de Janeiro de 2009 PRIMEIRO CADERNO 23
SAÚDE
Formação Para os clínicos, faz falta saber dizer a um doente que o seu estado de saúde é grave,
a um familiar que alguém morreu ou aos pais que uma criança é deficiente. O bastonário discorda
CASOS
Médicos pedem ajuda
Pediatria
“É assim: não sabemos o que o
vosso filho tem, porque todos
os exames são inconclusivos.
para dar más notícias
Neste momento, ele está a ser
medicado com tudo o que é
possível dar a uma criança de
quatro meses. Mas não
contem mais com o vosso filho
porque ele vai morrer”,
anunciou, num corredor de
hospital, uma médica aos pais
de um bebé que sofrera uma
série de convulsões. “Eu e o
meu marido virámos costas e
fomos gritar e chorar para
uma casa de banho do próprio
hospital”, recorda a mãe. “Se a
médica tivesse dito o que disse
de outra forma, talvez
Cristina Bernardo Silva CONSPIRAÇÂO DO SILÊNCIO
tivéssemos procurado
conforto nela e não
L
argou a bomba e cha- precisássemos de procurar um
mou o próximo”. É as-
Quandoafamília
refúgio no qual tivéssemos
sim que Luísa Silva des- alguma privacidade para
creve a forma como um ocultaaverdade exteriorizarmos as nossas
médico lhe transmitiu emoções”, lembra Cristina
que tinha cancro, duran- Jordão, mãe daquele bebé —
te a realização de uma A informação sobre o estado de saúde um rapaz agora com oito anos
ecografia mamária. “Eu do paciente só deve ser transmitida à de idade e em perfeita saúde.
pensava que era uma in- família com o consentimento deste, mas
flamação de uma glândula mamária e por vezes os familiares são os primeiros
foi-me dito, a seco, que teria de me sub- a saber que ele tem uma doença muito
meter a uma mastectomia. Sem esclare- grave. Decidem então pressionar o
Oncologia
cimentos adicionais”. Luísa reconhece médico para que nada revele ao doente,
a importância do diagnóstico certeiro, que fica assim excluído de toda a “Isto está por dias”. Foi com
mas não esquece a violência com que informação relativa ao seu estado — esta frase que Cristina Oliveira
este lhe foi transmitido. “Fui dali direc- uma situação conhecida como soube, da boca de um médico,
ta para o IPO pedir ajuda”, lembra. “conspiração do silêncio”. que a mãe — internada por
Em Portugal, tal como em muitos ou- Para a presidente da Associação complicações decorrentes de
tros países (França, Estados Unidos, Portuguesa de Cuidados Paliativos, Isabel um cancro do fígado — estava
Reino Unido e Espanha são alguns Galriça Neto, o médico “não deve nunca prestes a morrer. “Sabia que
exemplos) a esmagadora maioria dos aceder” a estes pedidos. “A relação ela não estava bem, mas não
médicos nunca teve qualquer treino es- privilegiada é com o doente. É natural imaginava que estivesse tão
pecífico de comunicação de más notí- que numa fase imediata a pessoa fique mal. O choque foi tal que me
cias. Os vários clínicos contactados pe- em estado de choque, reaja mal à pareceu que o chão se abria
lo Expresso dizem que a formação nes- notícia. Mas, a médio e longo prazo, debaixo dos pés. O meu irmão
ta área faz muita falta e o Ministério da saber a verdade traz serenidade e também ficou em estado de
Saúde reconhece haver uma lacuna, expectativas mais realistas. Mentir, ou choque. E, ainda hoje, passados
considerando que se trata de “uma não falar, faz com que muitos doentes dois anos, ouço aquelas
competência que deve ser desenvolvida fiquem agitados no final da vida”, palavras a ecoar na minha
através de uma formação contínua”. Pa- garante. cabeça”, conta. Reconhece que
ra o Ministério, “esta vertente deveria Além disso, o doente a quem o foi melhor deixar de acreditar
ser contemplada na formação universi- verdadeiro estado de saúde é ocultado na recuperação da mãe, mas
tária” e cabe aos estabelecimentos de fica impedido de resolver questões acredita que aquela mensagem
saúde “criar espaços adequados” ao (como fazer despedidas) que poderia poderia ter sido transmitida
anúncio de más notícias nas melhores querer resolver se soubesse que o fim “de forma mais suave”.
condições. A excepção é o próprio bas- da vida está próximo.
tonário da Ordem, Pedro Nunes, que
considera a formação “inútil”.
Hoje em dia, já se começa a dar mais
importância a esta questão, mas a for-
OBTER APOIO
mação não é generalizada. Faz parte,
por exemplo, do programa do interna-
to de Medicina Familiar, como destaca n Graças a associações
o coordenador nacional da Missão para como a Acreditar (crianças
os Cuidados de Saúde Primários, Luís com cancro, ver
Pisco. Segundo a presidente da Associa- Anunciarumadoençagravepodeserstressanteparaomédico FOTO CORBIS
www.acreditar.org.pt
ção Portuguesa de Cuidados Paliativos na Internet), a Abraço (sida,
(APCP), Isabel Galriça Neto, também a como transmitir más notícias quando, “Deixo sempre o meu contacto para o quem emprega uma técnica. É inevitá- ver
www.abraco.org.pt)
Faculdade de Medicina da Universida- há seis anos, fez um mestrado em Cui- caso de quererem conversar comigo vel e, diria mesmo, desejável que a ou a APAMCM (cancro da
de de Lisboa dá “bastante relevo” à co- dados Paliativos. “Até aí dei as más notí- mais tarde”, assegura. afectividade e os sentimentos impreg- mama, ver www.apamcm.org),
municação de más notícias, na cadeira cias utilizando apenas bom senso e pen- Nas urgências hospitalares, as condi- nem a comunicação”, diz. é possível trocar experiências
de Cuidados Paliativos e no mestrado. sando sempre na forma como gostaria ções nem sempre são as melhores e, e receber sugestões de pessoas
“Transmitir uma má notícia não se re- que alguém o fizesse em relação a muitas vezes, a má notícia é a morte de
Bastonário divergente
que têm ou tiveram problemas
sume a dar a informação. É preciso ter mim”, lembra. um familiar. Contudo, a responsável pe- semelhantes
capacidade para responder às necessi- Também o neuropediatra Nuno Lobo la equipa fixa do Serviço de Urgência Para o bastonário da Ordem dos Médi-
dades psicológicas do doente e elabo- Antunes — que publicou recentemente do Hospital de Santa Maria, Teresa Ro- cos, Pedro Nunes, na transmissão de n As linhas telefónicas de apoio
rar um plano de acompanhamento, mo- o livro “Sinto Muito”, no qual aborda drigues, garante que faz o possível por más notícias basta haver “honestida- (Linha Cancro — 808 255 255;
nitorizando a forma como ele está a li- esta questão — considera que a forma- não ser interrompida durante o anún- de, verticalidade e empatia”. Como o Linha Sida — 800 26 66 66;
dar com isso”, sublinha Isabel Neto. ção dos médicos “faz imensa falta”. cio, utilizando um gabinete de consulta humanismo nos estabelecimentos de ou a própria Linha Saúde 24 —
Na opinião da médica de família Fáti- Aprendeu a dar más notícias com os clí- para o efeito. “E anuncio olhos nos saúde foi substituído “por uma cultura 808 242 424, por exemplo)
ma Leal — que publicou, em 2003, na nicos mais velhos e salienta “a empatia olhos, de igual para igual”, diz. de gestão e produtividade, não interes- podem encaminhar os doentes,
“Revista Portuguesa de Clínica Geral” e a compaixão” como condições essen- Por seu turno, o director do serviço sa ensinar técnicas de comunicação familiares ou amigos. Informam
um artigo sobre a transmissão de más ciais. Até porque transmitir más notí- de Oncologia Médica do IPO de Lis- quando não há condições de comunica- sobre os direitos dos doentes
notícias — a formação não deve ser fei- cias da forma errada pode levar à “per- boa, João Oliveira, afirma que apren- ção”, defende. “Num contexto ideal, de e as instituições ou centros
ta “apenas nas Faculdades de Medici- da de confiança ou antagonismo” do deu com a experiência e a “abundante humanismo, a formação para a trans- de tratamento mais adequados
na, mas em todas as instituições em doente em relação ao médico. Para Lo- literatura sobre o assunto”. Mas, “na missão de más notícias seria interes-
que se formam profissionais de saúde”. bo Antunes, o pior que um clínico pode consulta, com o doente ou familiares, sante. No contexto actual, é inútil”, re- n Consultar um psicólogo pode
Com 27 anos de exercício da medicina, fazer é “abandonar as pessoas”, após a dificilmente nos mantemos puramen- sume o bastonário. também ser uma forma de lidar
afirma que só soube verdadeiramente transmissão de um mau diagnóstico. te no plano objectivo e distante de
cbsilva@expresso.impresa.pt melhor com a doença
TÉCNICAS PARA ANUNCIAR MÁS NOTÍCIAS: OS SEIS PASSOS DE BUCKMAN
Prepararolocaldoanúncio Perceberoquesabeodoente Descobriroqueodoente Daranotícia Respondercomempatia Proporumplano
O sítio onde a má notícia vai ser Perguntar, por exemplo, se sabe querquelhedigam O diagnóstico deve ser dado de O clínico deve aceitar a reacção deacompanhamento
transmitida deve ser privado e porque fez determinados A maioria dos doentes quer uma forma progressiva. Dar do doente à má notícia. Nesta Falar de um plano de acção
não deve haver interrupções exames, ou o que conhece sobre conhecer o seu diagnóstico, primeiro o chamado tiro de fase, é importante ouvir o futuro ajuda o doente a manter
(pessoas a entrar, telefone a os seus sintomas. Tentar bem como o prognóstico, mas aviso — “lamento informá-lo de paciente sem intervir. Dar-lhe alguma esperança. O médico
tocar, etc.). O médico não deve descobrir se obteve alguma alguns preferem que isso não que os resultados dos seus tempo de reagir, de se adaptar e deve marcar outra consulta
estar limitado por questões de informação através de outros lhes seja revelado. Um bom exames não são positivos”. Nem de fazer perguntas. Mesmo para garantir que a mensagem
tempo. Se quiser, o doente pode profissionais. indicador pode ser perceber se tudo deve ser dito na mesma quando um doente manifeste passou e esclarecer dúvidas.
estar acompanhado por outras o paciente gosta de discutir os consulta, mas sim consoante o raiva contra o próprio médico,
pessoas. pormenores sobre a sua saúde. ritmo desejado por cada doente. este deve mostrar apoio.
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