Nota20 - julho 2015 O Dúvidas e o Baldas
O Dúvidas e o Baldas co- nheceram-se no início do ano escolar. Como nunca tiveram nada para dizer um ao outro, apenas se observaram no intervalo das aulas. O Dúvidas anda mais sozinho. Atrasa-se na saída das aulas porque tem perguntas para fazer ao professor e, por isso, quando chega ao pátio já os outros formaram o seu grupo e iniciaram brinca- deiras a que não tem aces- so. Fica então sentado num banco junto ao bar e, se permanece sozinho, tira
da pasta um caderno impecável e fica a consultá-lo até que volte a tocar. (…) O Baldas desloca-se em grupo. Os rapazes vestem de maneira semelhante, alguns têm brinco e pulseira, mas todos falam alto e mandam cons- tantemente bocas às raparigas. (…). No intervalo gran- de, o Baldas e o seu grupo vão para um local escondido da escola e enrolar um charro ou curtir com uma rapari- ga. O Dúvidas e o Baldas ocupam diferentes territórios. O Dúvidas nunca falta e chega a ir com febre para as au- las, o Baldas tem metade das faltas dadas no mês de novembro. Quanto às notas, já se sabe: o Dúvidas só tem quatros e cincos, o Baldas limita-se a ter vários dois na esperança de recuperar no último período (o que já aconteceu por duas vezes). O Dúvidas compreende e aceita bem a circunstância de andar a estudar. Receia a violência da escola, os em- purrões na escada, as conversas sexuais ou as partidas aos professores. Para ele tudo deve correr sem sobres- saltos; afinal a matéria nem é difícil e os professores até se esforçam um bocado. (…) Para o Baldas a escola faz pouco sentido. Anda lá por- que os pais trabalham todo o dia e davam-lhe ralhos se ele abandonasse os estudos. Além do mais, pode jogar- se futebol várias vezes ou encontrar amigos para combinar coisa fora da es- cola. As aulas e os testes é que são o pior. O Baldas não tem paciência para estudar, e como há alguns professores mestres a des- cobrir cábulas ou a inter- romper o falatório durante os testes, vai-se abaixo nas avaliações. O certo é que ninguém falou com ele sobre o que se está a pas- sar. (…) O Dúvidas ganhou a alcu- nha porque desde muito
novo gostava de mostrar o que sabia. (…) A alcunha do Baldas era generalizada e fácil de enten- der. Entrava de manhã com o boné enterrado na cabeça, com a pala virada para trás, e só tirava o boné quando algum professor o ameaçava com uma falta se não o fizesse. (…) Às vezes desafiava os professores, sobretu- do os mais novos, e só parava quando o expulsavam da aula ou os via de rastos. (…)
P 0 3
Há muitos Dúvidas e Baldas nas escolas portuguesas. A mim sempre me apeteceu meter-me com eles. Ao Dúvi- das apetece-me desarrumá-lo um bocadinho, trabalhar a sua solidão e ajudá-lo a viver outras coisas da vida, sem nunca perder as suas qualidades de bom aluno. Ao Bal- das apetece-me sentá-lo a conversar comigo sem hora marcada, de modo a compreender aquela instabilidade toda e ajudá-lo a perceber que muitas coisas boas da vida só se conseguem com esforço.■
Daniel Sampaio in Voltei à Escola (adaptado)
A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces.
Aristóteles
Page 1 |
Page 2 |
Page 3 |
Page 4 |
Page 5 |
Page 6 |
Page 7 |
Page 8 |
Page 9 |
Page 10 |
Page 11 |
Page 12 |
Page 13 |
Page 14 |
Page 15 |
Page 16 |
Page 17 |
Page 18 |
Page 19 |
Page 20 |
Page 21 |
Page 22 |
Page 23 |
Page 24 |
Page 25 |
Page 26 |
Page 27 |
Page 28 |
Page 29 |
Page 30 |
Page 31 |
Page 32 |
Page 33 |
Page 34 |
Page 35 |
Page 36 |
Page 37 |
Page 38 |
Page 39 |
Page 40 |
Page 41 |
Page 42 |
Page 43 |
Page 44 |
Page 45 |
Page 46 |
Page 47 |
Page 48 |
Page 49 |
Page 50 |
Page 51 |
Page 52 |
Page 53 |
Page 54 |
Page 55 |
Page 56 |
Page 57 |
Page 58 |
Page 59 |
Page 60 |
Page 61 |
Page 62 |
Page 63 |
Page 64 |
Page 65 |
Page 66 |
Page 67 |
Page 68 |
Page 69 |
Page 70 |
Page 71 |
Page 72 |
Page 73 |
Page 74 |
Page 75 |
Page 76 |
Page 77 |
Page 78 |
Page 79 |
Page 80 |
Page 81 |
Page 82 |
Page 83 |
Page 84 |
Page 85 |
Page 86 |
Page 87 |
Page 88