Nota20 - maio 2017
abstrato - contando pelos dedos, por exemplo -, que não as leva (tanto como devia) da curiosidade até à desco- berta, que não as deixa tocar, mexer, experimentar ou desmontar o conhecimento, as incentive a conhecer num registo que se vai tornando, cada vez mais, do gé- nero: "vá pelos seus dedos"? Não! 6.
Mas, sendo assim, aquilo que faz toda a diferença é o modo como os pais se colocam, nesta relação entre os filhos e os ecrãs, como "entidade reguladora". Talvez não seja muito razoável que, imaginando que as crian- ças têm tempo para brincar e para descansar, todos os dias, que mais do que a tal meia hora de "ecrãs" (duas vezes ao dia, que seja...) se torne exagerada. Mesmo que, com isso, os pais tenham de definir um critério seu, ancorado em convicções que tenham tudo a ver com o bom senso. É claro que eu entendo que os pais não pre- cisam de ser "à prova de água" sempre que definem regras. E, muito menos, que necessitem de as explicar, quase como quem espera que as crianças lhes deem o consentimento que, como filhos, não lhes podem dar. Porque não são os pais dos pais; são filhos! Daí que não seja razoável que os pais se coloquem diante deles quase a medo... Sejamos razoáveis: todos entendemos que os pais não queiram "marcar" os filhos com peque- nos sofrimentos que os seus "nãos" lhes possam, presu- mivelmente, provocar. No entanto, não deixa de ser ra- zoável que nos perguntemos o que é que, no nosso crescimento, nos terá "marcado" mais: os erros educati- vos que os nossos pais assumiram, à custa das convic- ções com que os levaram para a frente, ou aquilo que eles não fizeram (muitas vezes, por medo de errar)? Ou seja: se os pais têm, de forma intuitiva (mas com convic- ção) a ideia de que um determinado tempo de "ecrãs" será demais, não seria, então, de levarem por diante esse limite, todos os dias? 7. É claro que, às vezes, tenho receio que muitos pais te- nham dois pesos e duas medias. Para efeitos de regras de bom senso para com os filhos, alarmam-se com a relação que as crianças e os adolescentes têm com os ecrãs. Para efeito dos bons exemplos que lhes trazem, todos os dias, não perdem uma oportunidade de estar ao telefone, durante o almoço, ou de "mergulharem num ecrã" em pleno momento de família. E muitos dos pais alarmados, mal entram num espetáculo, contribuam pa- ra a "epidemia de flashs" que faz com que mal ouçam uma música do princípio ao fim, preferindo fotografar e
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"postar", fotografar e "postar", numa azáfama entre o ecrã e o facebook, como se mais importante do que sen- tir ou viver os momentos fosse registá-los, sossegando os amigos com mais um "eu estive lá!". Mas, afinal, as regras em relação aos ecrãs, quando nascem, serão para todos? 8.
Mas que mundo é este que vive “toxidependentemente” agarrado a um ecrã? Fornecido às crianças para que sejam sossegadinhas e caladas; tolerado nos adoles- centes - mesmo que o utilizem numa "overdose" inquie- tante - para que troquem a sua interpelação palpitante por um estar sossegadinho e calado; e é, vezes de mais, alimentado pelas famílias, até à hora das refeições, co- mo se a oportunidade das pessoas se tornarem mais e mais da família se pudesse trocar por uma atmosfera sossegadinha e calada?... E, no entanto, sempre que estão sossegadinhas e caladas as pessoas tornam-se doentes e transformam-se, umas às outras, em estra- nhos que se conhecem bem. 9. Se a educação judaico-cristã trouxe, entre ganhos incal- culáveis, alguma repressão e censura exageradas e dis- pensáveis aos sentimentos e à sabedoria humanas, o mundo digital tem-lhes trazido solidão, silêncio e sosse- go. E tem vindo a produzir pessoas cada vez mais vira- das sobre si, mais narcísicas e mais autistas, menos amigas da comunicação, mais solitárias, menos pensan- tes e muito menos cooperantes. 10. Em função de tudo isto, a vida na ponta dos dedos não será uma catástrofe, claro. Desde que o corpo, a imagi- nação e a "alma" não se tornem "bens em vias de extin- ção". E a relação, as palavras e o toque deixem de ser jurássicos... E desde que o "estar sempre ligado" das novas tecnologias se faça acompanhar pelo "estar sem- pre ligado" às pessoas, que não pode deixar de estar em primeiro lugar. Tudo num clima onde as pessoas crescidas não reajam com emulação a este "vicio dos tempos modernos" num registo de "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço". E - sobre tudo o mais - desde que a vista na ponta dos dedos sirva não só para mexer num tablet, como, também, para "ver "os intestinos" às coisas, para mexer em tudo aquilo que pareça ora misterioso ora desafiante, para tocar num rosto, para guiar um abraço ou como forma delicada de dizer a alguém: "Repara como eu gosto de ti!!".■
Eduardo Sá, Leya Educação
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