Nota20 - abril 2016 Crónica do Quotidiano Nem Tudo O Que Vem à Rede É Peixe
Corria um Novembro ameno e solarengo, num sábado mágico, de névoa diluída, desde a aurora. O relógio abraçava o meio-dia. A Rua Santa Catarina, no Porto, apresentava-se apinha- da de gente, na pressa costumeira dos afazeres diários. Um corrupio incessante de pessoas entrecruzavam-se continuamente, à procura dos seus destinos ou vague- ando sem rumo, à espera de acertar futuros. As esplanadas, repletas de convivas, riam, comiam, be- biam, discutiam, gesticulavam, discursavam. Os vidros das montras chamavam clientes e obrigavam necessitados, curiosos, compulsivos a apoderarem-se das atrações gloriosas e poderosas. A rua tornava-se, ela própria, uma montra de todos os gostos e orientações. Meninas de saltos elevados, vestidos ousados, rostos joviais, adereços de toda a sorte passeavam seus cor- pos vistosos. Mânfios, experientes e sabidos, espiavam incautos, es- perando distrações, esquecimentos e, porventura, uma... moedinha. O vendedor de castanhas suava de atividade intensa, com o fumo a pairar no lugar, em busca do norte, levada pela brisa sulista. O vendedor de balões dançava o movimento colorido da sua mercadoria. Homens, mulheres, jovens, crianças, de vidas diversas, misteriosas, malvadas ou encantadoras sucediam-se no espaço, em passos lentos, apressados, tolerantes, in- certos, cadenciados. Um homem, caminhando rapidamente para o meio sé- culo, circulava no eixo da via pensativo. Com uma tosta mista na mão direita, levava a esperança no rosto. Apli- cou dentada apetecida, com um brilho nos olhos e ale- gria a navegar nas maçãs da face. Mastigou. Os seus passos estacaram a velocidade engrenada. Ergueu o troféu, junto à cabeça, para impedir acidente escusado, em traje alheio. Uma gaivota, oriunda do encanto do mistério, em voo picado, bicou o prémio, deliciando-se com a oferta gene- rosa, no empedrado, um pouco mais à frente. O homem, entre o estupefacto e o incrédulo, perseguiu a ladra que, em lance rápido, se evaporou no ar ou nos tetos dos prédios esguios.
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- Hoje, esperava maré de sorte... – articulou, em desâni- mo. - Olhe que a maré embraveceu, de certeza... – comen- tou transeunte, sorridente, em admiração estonteante. Nova gaivota, em voo rasante, precipitou-se no encalço do pão com chouriço, que o adolescente engolia, à pres- sa, e ostentava, na rua amontoada, e, em circulação ziguezagueante, errou alvo, perante o contentamento risonho, desafiante, trocista e vitorioso do rapaz: - Querias!... – e formou gesto a condizer. - Querias o quê? – disparou, desconcertado e atónito, o colega ofendido pela observação intempestiva do amigo. - Ai a filha da!... Viste, Tuca? – e apontou a ave, em fuga desconsolada. - O quê? - Oh! Deixa lá! Não interessa!... E aplicou uma última trinca ao tesouro preservado, com a tarde a engordar no dia excelente.
Moral: A sorte e a esperança não se conquistam!... São a essência da existência!■
Professor Agostinho Pinho
“O primeiro dos bens, depois da saúde, é a paz interior”. François La Rochefoucauld
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