Nota20 - abril 2018
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António Barreto sobre a Atual Comunicação Social As notícias na televisão
Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo
É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum impe- ra. A linguagem é automática. A preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção. A vulgari- dade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A submissão ao poder e aos partidos é demo- cracia. A falta de cultura e de inteligência é isenção pro- fissional. Os serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros e os jogadores de futebol. Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um direc- to. Figurão no aeroporto, comboio atrasado, treinador de
futebol maldisposto, incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com camião: sai um directo, com jornalista aprendiz a falar como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano. Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qual- quer assunto: importante e humano é o directo, não edi- tado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sem- pre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez. É absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, polí- ticos na espera e candidatos a qualquer coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser o secretário de Estado respectivo. Arte? Um director-geral chega. Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por uma informação huma- nizada, quando o que se faz é puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de serviços. A falta de critério profissional, inteligente e culto é pro- verbial. Qualquer tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um treina- dor que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto que divaga. Procuram-se presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias. A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada por cinco ou seis represen- tantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode repe- tir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notí- cias! É o pluralismo dos *papagaios no seu melhor! Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se
uns com os outros. Como os canais de televisão.■
António Barreto (Sociólogo português) (Origem da foto: Internet) Origem do texto:
http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/antonio-barreto/ interior/
as-noticias-na-televisao-5407534.html
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